Das imprecisões do prisma
* Por Daniel Santos
A moça do censo
anotou: “pardo”. Pardo, porque não era branco e, para não desagradar a mãe,
evitou registrar “negro”. E ficou pardo mesmo, um lindo pardinho de olhos
buliçosos como à procura de uma definição.
Mas logo corria
pela vila, empinava pipas e referiam-se a ele como “pretinho”, um pretinho
serelepe sem outro igual, se bem alguns dissessem “neguinho” com o azedume de
um preconceito mal e mal disfarçado.
E cresceu mais,
colou grau, mas, ao se candidatar a um emprego, ouviu do empregador que ali não
se aceitavam “crioulos”, o que muito o humilhou, quase o tirou do sério. Ao
insistir na vaga, ouviu “sai, tição!”
Felizmente, para
compensar tanta tragédia, arranjou namorada, uma moça de boa índole, bem-intencionada
e muito criteriosa com as palavras. Para evitar magoá-lo com referências
étnicas, chamava-o “moreno”.
O namoro foi
adiante, e numa noite em que os dois celebravam a carne, ela gemeu “ai, negão!,
ai, negão!” Quase em crise cromática, salvou-se no orgasmo: um desmaio multicor
tingiu-o de arco-íris!
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
As palavras adoçam e cortam a alma.
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