Nada como o sol
O livro “Nada como o sol”, do escritor inglês Anthony
Burgess (que também foi compositor e crítico literário) propõe-se a resgatar,
de forma romanceada, a supostamente turbulenta vida amorosa de William
Shakespeare. O título foi extraído de um pedaço de verso do conhecidíssimo
soneto em que o poeta declara que sua amada “não é branca como a neve” e que
seus olhos não são “nada como o sol”. A composição foi dedicada à misteriosa e
polêmica “Dark Lady”, cuja existência real muitos põem em dúvida e outros
tantos juram que existiu e que foi famosa prostituta londrina. Saber, saber
mesmo, no entanto, nunca ninguém soube. Tudo, a esse propósito, assim como
sobre praticamente metade ou mais da vida de Shakespeare, não passa de um big
conjunto de hipóteses, conjecturas e suposições.
O livro de Burgess é chato. Não é daqueles que a gente quer
ler de um único sopro, da primeira à última página, ávido por chegar ao fim
para conferir a conclusão do autor. Longe disso. Burgess usa e abusa de
citações, supostamente eruditas, que em vez de esclarecerem qualquer coisa
sobre o enredo que trata, apenas nos dá vontade de abandonar a leitura e buscar
algo melhor a se fazer. Não estranho, pois, que esse escritor não seja lá muito
popular no Brasil. E não é por falta de opções para o leitor. Há catorze livros
dele, em português, no mercado (mais propriamente. em sebos) e apenas um único
deles pode ser considerado sucesso. E este não é “Nada como o sol”. É “Laranja
mecânica”, best-seller em várias partes do mundo, especialmente depois que foi
adaptado para o cinema.
Temos, porém, que reconhecer que Burgess teve como virtude a
persistência (ou seria teimosia?). Poucos escritores conseguem continuar
tentando conquistar o coração e a mente dos leitores como ele fez. Afinal,
apenas conseguiu ser reconhecido após a publicação do décimo oitavo livro! E
foi, justamente, o “Laranja mecânica”. Não afirmo que suas publicações
anteriores se constituíram em fiasco. Contudo... não caíram propriamente no
gosto nem da crítica, e nem do público. Outros tantos, no seu lugar, teriam
desistido. Burgess, porém, persistiu e emplacou seu perseguido best-seller,
digamos, mundial.
Os principais críticos ingleses identificam, no estilo desse
persistente escritor, certa influência do irlandês James Joyce. De fato, muita
coisa que escreveu lembra, posto que remotamente, o celebrado autor de “Ulysses”.
Só não sei se isso conta pontos a seu favor ou se pode ser apontado como
defeito. Prefiro não julgar. John Anthony Burgess Wilson nasceu em Manchester,
em 25 de fevereiro de 1917. Morreu em Londres em 22 de novembro de 1993. É
lembrado pelo livro “Laranja mecânica” e não pelo que me propus a comentar
neste espaço (sobre a suposta vida amorosa de Shakespeare): o polêmico e, para
mim, inconsistente “Nada como o sol”. Pudera! Ele não acrescenta absolutamente
nada na biografia do bardo inglês. Não esclarece coisa alguma. Apenas confunde.
A narrativa de Burgess é dividida em duas partes bem
demarcadas. Na primeira, trata da vida de Shakespeare, desde a adolescência, em
Stratford-Upon-Avon, até que o dramaturgo completou 23 anos de idade. Ou seja,
de 1582 a 1591. Na segunda, de 1592 a 1599, aborda sua trajetória em Londres,
quando atuou como ator e escreveu suas célebres peças. E por que contesto a
veracidade da maior parte das suas “informações” (na verdade, conjeturas)? Por
ausência de documentação a propósito. A grande frustração dos pesquisadores de
Shakespeare é a completa falta de referências confiáveis, documentais, de dois
períodos de sua vida. Somados, eles perfazem onze anos. É muita coisa, se
levarmos em conta que ele viveu 52 anos. Essa época é conhecida como “os anos
perdidos”. Abrange os períodos entre 1578 e 1582 e 1585 e 1592.
Muita coisa, portanto, se não a totalidade, das supostas
aventuras amorosas de Shakespeare, relatadas por Burgess é produto,
exclusivamente, de pura imaginação. O autor admitiu que muitas de suas
conclusões (quanto?) tiveram como base a obra poética do bardo inglês. Ora,
ora, ora. Li, há algum tempo, que ele teria confidenciado que escreveu seu
livro por “gostar demais” do seu personagem. Teria acrescentado que fez isso
para “humanizar” Shakespeare e pôr fim à sua praticamente “beatificação”. Ora,
ora, ora. Para isso, retratou-o como tarado, dissoluto, bissexual, amante
traído e outros quetais?! E tudo isso sem provas?! Que o bardo inglês não foi
nenhum “santo” é óbvio. Ninguém é. Mas daí a lançar as suspeitas que Burgess
lançou sobre a reputação do dramaturgo é demais.
Shakespeare, se estivesse vivo, e se lesse o livro, escrito
por quem alegava “gostar dele”, provavelmente diria o seguinte (que colocou na
boca de um de seus tantos personagens de uma de suas peças):
“Você diz que ama a chuva, mas você abre seu guarda-chuva
quando chove. Você diz que ama o sol, mas você procura um ponto de sombra
quando o sol brilha. Você diz que ama o vento, mas você fecha as janelas quando
o vento sopra. É por isso que eu tenho medo. Você também diz que me ama”. Este
trecho cabe ou não cabe a caráter neste caso? Claro que sim!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Fecho de ouro e pedras preciosas, um verdadeiro cala a boca.
ResponderExcluir