“Durmo beija-flor e acordo sempre-viva”
* Por
Mara Narciso
A afirmativa “eu não
gosto, eu não entendo (de) poesia” é burra. Meu amigo, o escritor Pedro
Bondaczuk ensina-me há oito anos em seus férteis textos, que o melhor jeito de
começar o dia é lendo um poema, em voz alta, repetindo-o, para ter bom aproveitamento.
Não desdenhava da sugestão, mas achava graça da solenidade quase religiosa.
Pensava dessa forma, porque não tinha encontrado o meu livro de poemas. Curioso
é que comecei a lê-lo quase por obrigação.
Era preciso começar,
pois a autora, de uma alegria explosiva, para a qual faltam superlativos é por
si mesma um chamariz. Tudo nela é imenso, do sorriso à cor vermelha dos
cabelos, da pele clara à extensão do seu abraço. É professora, literata, atriz,
dança e canta. É casada e tem dois filhos. Nasceu em Francisco Sá, antes Brejo
das Almas, e mora em Montes Claros.
Pratica ciclismo, anda
de vestidos longos estampados com desenhos berrantes, e caso precise de se
vestir de palhaço, faz isso de forma alegórica, com estardalhaço e o suprassumo
da naturalidade. Sua maneira exagerada contrapõe com a delicadeza das suas
idéias. Fui ao lançamento do seu mais recente livro, o sexto publicado
individualmente, e ouvi atenta a leitura do prefácio escrito por Ivana Rebello.
Encontrei bons amigos, e já na hora de sair, decidi-me por voltar, pegar o
livro, tirar uma foto com a autora, dar outro abraço em Karla Celene Campos.
Olhei a capa, uma foto
da pensativa poeta diante da lareira, e pensei no desafio que é ler poemas. Nas
orelhas, o escrito de Georgino Júnior fazia um convite, quase uma profecia:
“cheguem-se logo leitores, e aproveitem”. Em cena a primeira página. Os versos
estavam soltos, sem ponto, sem vírgula, um após outro, uma palavra abaixo da
outra. A falta de pontuação lembra a ausência de armadura que pauta a vida de
Karla Celene, mulher sem peias, hiperbólica em afetos, graça e sorrisos. Tudo
em Karla é emoção.
“Cultivo coisas
inusitadas dentro de mim
Músicas coloridas
Arco-iris pássaros que voam
E borboletas no interior da barriga
Por isso amanheço dos temporais
E rediviva
Durmo beija-flor
E acordo sempre-viva”
Estou embasbacada com
o mundo pictórico para o qual Karla Celene me convidou a entrar, mergulhar e me
lambuzar. Foram-me escancaradas muitas delícias cujo sabor eu desconhecia.
Passei por sustos gostosos e gozosos, como se para tais suspenses eu ficasse em
crise de asma, e por fim ligassem-me o oxigênio. E após melhorar o fôlego,
chega-me um beijo na boca, um inesquecível beijo roubado.
Karla Celene Campos, o
seu livro “O Lado de dentro das coisas” disseca sem meias palavras suas
verdades inteiras, numa gostosa sessão de anatomia, mostrando o lado luminoso
das paixões, das dores e das alegrias. Sinto-me grávida de supremo êxtase.
Agora eu tenho um livro de cabeceira, para começar o dia lendo um poema em voz
alta:
“A vida
Brevíssimo instante
É a pedrinha de açúcar
Lançada
Ao mar”
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Texto fantástico, Mara! É uma poetisa escrevendo sobre outra e ambas excelentes.
ResponderExcluirMuito feliz com seu estímulo e comentário, Pedro. Meu exagero tem tudo a ver sobre o que eu achei da obra, e é a cara da poeta. Obrigada!
ExcluirBacana esse seu encantamento poético, Mara. Feliz poema toda manhã!
ResponderExcluirEstou praticando diariamente. Obrigada, Marcelo.
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