“Todo mundo quer permanência”
“A Literatura é fascinante por todo e qualquer motivo que se
considere. O livro é um mestre onipresente, o tempo todo à nossa disposição,
pronto para nos ensinar, orientar, emocionar etc.etc.etc. e, sobretudo, para
nos fazer refletir. Basta, somente, que estejamos dispostos a empreender este
aprendizado, essa deliciosa aventura da inteligência, do saber e do espírito e
que não o tenhamos, apenas, como objeto decorativo, como muitos fazem. Manda o
bom senso que façamos dele companheiro constante e indispensável. Tenho pena de
quem se priva, ou que seja privado, do privilégio da leitura”.
Foi dessa forma que iniciei texto recente – que alguns
consideram ensaio curto e que eu classifico de crônica – intitulado “Isso
também passará”. Até parece que quando escrevi essas palavras estava me
referindo especificamente ao volume de poesias da poetisa e psicanalista
fluminense Márcia Mendes (que ela generosamente me presenteou, com a devida
dedicatória), intitulado “Permanência”, oportuno relançamento da Editora “Mar
de Letras”. Não estava me referindo a ele. Mas bem que poderia (e
principalmente deveria) estar. O que escrevi nessa crônica cabe exatinho, como
uma luva, nesse caso. A referida obra satisfaz tudo o que espero encontrar em
um bom livro, notadamente de poesias, quando me preparo para lê-lo: ensina,
orienta, emociona e, sobretudo, induz á reflexão. É a conclusão a que chego
agora, ao terminar, embevecido, sua leitura.
Poesia não pode ser lida como se leem textos de outros
gêneros, como romance, conto, novela, crônica etc.etc.etc. Tem que ser
degustada, saboreada, sentida, como uma comida saborosa, como nutritivo maná,
como a ambrosia dos deuses, posto que delícia para o intelecto e, sobretudo,
para o espírito e não para a carne. A leitura tem que ser feita sempre em voz
alta, para que os ouvidos identifiquem o som de cada uma das palavras escritas,
para que a alma baile leve e solta com sua musicalidade. Sua mensagem deve ser
interpretada pelo leitor, respeitando, rigorosamente, a pontuação. Além disso,
poesia exige releituras, não duas ou três, mas uma quantidade incontável delas.
É assim que as leio. Foi assim que proporcionei régio banquete à alma com os
versos de Márcia Mendes.
Ainda na citada crônica, observei: “Meu objetivo é o de
conferir à obra que pretenda produzir certo caráter de permanência”.
Convenhamos, todo escritor que se preze age da mesma forma. Ninguém escreve
textos, digamos, “pret-a-porter”, do tipo “use e jogue fora”. Espera que
permaneçam e, se possível, até o final dos tempos. Mas... Ponderei, na
sequência: “Essa condição (a da permanência) suscita infindas considerações.
Por mais que pretendamos e nos empenhemos, nada no mundo é permanente. Vou mais
longe: nada no universo é. Tudo está em permanente mudança”.
Lembrei, então, o óbvio: “Estrelas nascem, estrelas se
extinguem, estrelas explodem, ou seja, mudam. Novas galáxias surgem, velhas galáxias desaparecem, muitas galáxias
se fundem e vai por aí adiante. Tudo muda o tempo todo. Nós mudamos, de um dia
para o outro, sem que nos apercebamos. Heráclito de Éfeso já havia chegado a
essa conclusão, a da inflexível mutabilidade das pessoas e das coisas, por
volta do ano 500 antes de Cristo. O lúcido filósofo escreveu a propósito: ‘A
permanência é uma ilusão. Somente a mudança é real’. E ilustrou sua tese com a
célebre afirmação: ‘É impossível pisar duas vezes no mesmo rio’. E não é? A
calha pode até permanecer a mesma (posto que só por algum tempo, e quanto não
importa), mas as águas que correm nela evidentemente, jamais serão”.
Sustento essa opinião, porém observo que o fato da permanência
absoluta ser uma impossibilidade, nem por isso podemos abrir mão de tentar
tornar nossas obras permanentes, mesmo que não por todo o tempo, mas pelo menos
por algum (de preferência por muito) tempo. É o que Márcia Mendes faz,
esbanjando talento e sensibilidade. Seu livro é daqueles que não podem ser
analisados em um único texto, sob pena de se cometer tremenda injustiça com a
autora e de se deixar o leitor no ar. Certamente, voltarei ao tema. Contudo,
deixo-lhes, como preciosa e requintada “entrada”, de régio banquete, este poema
que dá título à obra e que Márcia dedicou à avó:
Permanência
“Gostava de crisântemos na janela.
Flor da Nobreza.
Nâo eram bonitos, nem feios,
Mas aguentavam aquele calor suburbano.
Um dia, pensando no tempo
Ela acordou rica de tristeza,
Pegou um crisântemo amarelo,
Botou numa taça de vinho
E foi viver mais.
Todo mundo quer permanência”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Bem forte, e, como você disse, feito para pensar.
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