sexta-feira, 3 de abril de 2015

O bilhete


* Por Rodrigo Ramazzini
  

- E do Adelmo Junior. Lembra?
- Claro que lembro! Ah! Ah! Ah!
- Ah! Ah! Ah!Boas lembranças. Ótima época.
- Ai ai! Só você, Fátima, para me fazer rir. As recordações dos seus namoricos da adolescência trouxeram-me um pouco de alegria. Até relembrei alguns dos meus...
- Uma pena foi você não ter encontrado, ao longo desta vida, alguém que lhe amasse como mereceria, minha irmã.
- Pois é... Pensava sobre isso esses dias. Acho que fui amada e não soube ver esse amor.
- Que história é essa? Como assim? Todo mundo sabe que os seus maridos nunca lhe deram o devido valor...
- Infelizmente isso é uma verdade, mas...
- Mas?
- Pegue a minha carteira dentro daquela bolsa. Vou lhe mostrar algo que guardo há muitos anos...
- Toma.
- Leia.
- Pelo estado do papel, faz muito tempo que esse bilhete está aí...
- Faz mesmo. Muitos anos...
- Bem. Aqui diz: “Amada Marta. Pensava que apenas os loucos viam a vida de uma forma diferente. Foi então que me apaixonei e juntei-me a eles. O problema é quando a loucura do amor não é correspondida e leva-nos a fazer coisas de loucos. Assinado Rodolpho”. Que história é essa, Dona Marta? Pode contando tudo? 
- Bem!
- Não enrola!
- Bom! O Rodolpho foi um namorado que tive em um dos meus períodos escolares. Você era pequena, por isso não lembra desta história. Ele não era muito bonito, e sim, simpático e inteligente. Vivia dizendo que há anos queria me namorar, que me amava, coisa tal... Dei-lhe uma chance.
- E daí?
- Bom. Daí, na época namoramos um tempo, mas minhas amigas o achavam “estranho”, por ser um cara muito fechado e nada bonito. Por influência acabei o desprezando. O Larguei para ficar com o Milton, o “queridinho” das meninas da escola.
- Entendi! Só não entendi onde entra esse bilhete?
- Calma! Vou chegar nele. Depois que terminei, mesmo estando com o Milton, o Rodolpho insistiu uma centena de vezes para voltarmos. Utilizou as mais diversas maneiras, fazendo infinitas declarações de amor...
- E?
- E daí, era uma sexta-feira de agosto. Acho que nunca vou esquecer. Esse bilhete chegou pelo correio. Na hora li, mas não compreendi. Só fui entender o significado no dia seguinte, quando soube que Rodolpho havia se suicidado...
- Minha irmã! Que história essa que você está me contando. E a família dele, o que disse na época?
- A família falou que Rodolpho sofria de depressão e que esse era provavelmente o motivo, coisa e tal. Mas a verdade é que eles nunca ficaram sabendo da existência deste bilhete. Não sabem o verdadeiro motivo.
- Duro. Mas romântico, por outro lado.
- Pode até ser romântico pelo ato, mas não para os que ficam. Ainda mais eu, que carrego uma ponta de culpa nesta história. Sofri muito por vários anos.
- E carregou essa história durante a vida toda e não a contou a ninguém?
- Sim! Foi um segredo que guardei ao longo da vida. Deitada aqui nesta cama de hospital, à beira da morte, esta história voltou com força em minhas lembranças...
- Não diga isso minha irmã! Você vai sair dessa...
- Você sabe que não! Não tem volta... Sabe minha irmã, a proximidade com a morte nos leva a refletir sobre a vida que levamos enquanto estivemos aqui na terra. A pensar sobre as coisas certas e erradas que fizemos ao longo dela, se vivemos como gostaríamos de ter vivido. Deveríamos fazer este tipo de reflexão durante a vida, e não no final, afinal, agora não dá para mudar mais nada. Não acha?
- Você tem razão!
- Foi em uma dessas reflexões que lembrei de Rodolpho. O fato de recordar essa história e saber que fui verdadeiramente amada uma vez nesta vida me reconfortou. 
- Bom saber, minha irmã!
- Pois é... Então, religiosa como sou, para driblar a tristeza deste meu fim, comecei a acreditar que Rodolpho está me esperando em algum lugar do lado de lá. Passei a aguardar as horas de forma ansiosa, para que, finalmente, eu possa viver esta história de amor!

* Jornalista e cronista

Um comentário: