Machado de Assis e a paixão pelo xadrez
A figura do pianista e comerciante português Arthur Napoleão
dos Santos, salvo engano na interpretação das várias fontes a que tive acesso,
teve grande influência na vida de Machado de Assis. Esse personagem, por exemplo,
foi quem acompanhou a que viria a se tornar mulher do escritor e sua grande
paixão, Carolina Xavier de Novaes, em sua viagem da cidade do Porto até o Rio
de Janeiro. Isso aconteceu em uma de suas (dele) tantas visitas à terra natal.
Não consta que ele tenha algo a ver com o início do namoro do casal.
Todavia, deduzo que sim. Por que? Porque Arthur serviu de
testemunha do casamento de Machado de Assis com Carolina, ocorrido em novembro
de 1869. Se não tivesse influência alguma nesse relacionamento, mesmo que
remota e indireta, dificilmente seria convidado para testemunhar essa união.
Isso dá conta da amizade íntima que ligava esses dois homens. Naquele tempo,
recorde-se, ainda não havia casamento civil. Igreja e Estado eram
indissoluvelmente unidos. Só eram válidas e reconhecidas uniões conjugais
celebradas por sacerdotes católicos.
Supõe-se que foi Arthur que “iniciou” Machado de Assis numa
atividade que se tornou uma de suas maiores paixões – provavelmente abaixo,
somente, da Literatura, da música e da mulher, e não necessariamente nessa
ordem. Refiro-me ao jogo de xadrez. Não há, nas várias fontes que consultei,
nenhuma referência específica a esse respeito. Há, todavia, citações indiretas
que me induzem a essa conclusão. De qualquer forma, Arthur foi seu principal
parceiro (e maior adver4sário) nesse jogo, chegando mesmo a ser seu sócio em determinado
empreendimento voltado a sediar campeonatos da modalidade.
Dizem que o músico português era enxadrista de mão cheia. Machado
de Assis, por seu turno, não lhe ficava nada a dever. Era adversário de
respeito. Tanto o xadrez era paixão do escritor, que ele cita esse esporte
(para muitos não passa só de jogo) em várias de suas obras, tanto em romances,
quanto em contos (principalmente nestes). Durante algum tempo, os dois (e
outros tantos jogadores) travaram suas renhidas disputas no Clube Fluminense
(que não tem nada a ver com o time de futebol atual, do mesmo nome), que fazia,
também, as vezes de sede da “Arcádia”, sociedade literária, fundada pelo “Bruxo
do Cosme Velho”, sobre a qual tratei em textos anteriores.
Na sequência, os dois amigos integraram a diretoria do “Club
Polythecnico”. Essa foi a primeira entidade esportiva do Rio de Janeiro voltada
exclusivamente ao xadrez. Sua simples existência sugere que o esporte (ou jogo,
como queiram) era relativamente popular na cidade. Claro, entre os intelectuais
(e nem poderia deixar de ser). Confesso minha abissal ignorância a propósito
dessa modalidade. Tentei aprender como se joga, em vão. Suas regras nunca me
entraram na cabeça. Ademais, sempre fui um sujeito hiperativo, o que não condiz
com um jogo que requer não somente raciocínio, mas muita concentração. Ganhei,
de amigos, riquíssimo tabuleiro de xadrez, com peças de marfim (o que nem é
politicamente, ou ecologicamente correto). Por não ter conseguido aprender a
jogar, hoje esse material todo exerce, apenas, função decorativa em meu
gabinete de trabalho. Quem não me conhece bem e não priva de minha intimidade,
é capaz de supor (creio que supõe mesmo) que eu seja grande jogador. Bem, a
presunção é de quem a tem. Nunca menti para ninguém e nem disse, para quem quer
que seja, que sabia jogar. Não sei, nunca soube e tenho plena convicção que
nunca saberei.
Mas... parece que fugi um pouco do assunto, não é mesmo?.
Voltemos, pois, a ele. Consta que Arthur Napoleão e Machado de Assis
tornaram-se sócios do Clube Beethoven, fundado em 1882. O objetivo declarado
dessa entidade, diga-se de passagem, nem era o de ser salão de jogo de xadrez.
Era para servir de palco para novos saraus, a exemplo do que ocorrera anos
antes com a “Arcádia Fluminense”. E vários e vários foram, mesmo, levados a
efeito ali. Mas foi, também, no Beethoven que os torneios de xadrez da turma de
Machado de Assis e de Arthur Napoleão dos Santos ficaram ainda mais freqüentes.
Óbvio que o enxadrista jamais ofuscou o escritor. O “Bruxo do Cosme Velho” (nem
sei como) arranjava tempo para tudo. Não se pode esquecer nunca que sua
dedicação à Literatura jamais foi em tempo integral. Afinal, Machado era
servidor público, dos mais dedicados e assíduos, desses que são chamados
pejorativamente (e nem sei por que são hostilizados dessa forma quando deveriam
ser louvados) de “Caxias”.
No Beethoven o escritor arrumou mais uma função, que nada
tinha a ver com xadrez. Acabou por assumir o posto de bibliotecário do Clube.
Não creio que tivesse qualquer queixa por essa nova tarefa. Deve, na verdade,
ter ficado “deliciado” com ela. Afinal, não é segredo para ninguém que Machado
de Assis era “vidrado” por livros. Querem algo melhor para quem era tão
apaixonado por leitura?!! O que, porém,
me deixa intrigado é a pergunta que, sempre que leio alguma de suas biografias,
volta e meia me vem à mente: “Onde esse sujeito arrumava tempo para tantas e
tão variadas atividades?!!!”.
O Clube Beethoven tinha como professor de piano o compositor
cearense Alberto Nepomuceno. O maestro foi o tradutor para o português do “Tratado
de Harmonia”, de Arnold Schoenberg, que tentou em vão oficializar no Instituto
Nacional de Música. Este foi outro dos parceiros musicais de Machado de Assis,
de cuja parceria resultou a canção “Coração triste”, de música lenta e
melancólica, que compara os ciclos da vida às estações do ano e cuja letra
começa com esta estrofe:
“No arvoredo sussurra
O vendaval do outono
Deita as folhas à terra
Onde não há florir”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Há habilidades e inabilidades, estas últimas atuam como barreiras não ultrapassáveis. Xadrez, matemática e voar, são impossíveis para mim.
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