Chega de saudade
* Por
Clóvis Campêlo
Começo este texto
pensando em homenagear aos mestres Vinícius de Moraes e Tom Jobim, que em
meados dos anos 50 compuseram essa joia rara da MPB, a música “Chega de
Saudade”.
A música foi gravada
pela primeira vez em 1958, por Elizeth Cardoso, com arranjos do próprio Jobim e
acompanhamento de João Gilberto ao violão. Elizeth não era exatamente uma
cantora revolucionária da MPB. Não cantava em tom de bossa-nova. Mas teve o
mérito de se fazer acompanhar pelo violão de João Gilberto, numa batida
diferente e que depois seria a marca registrada do novo movimento musical.
Do ponto de vista
melódico, a música também não apresenta muitas novidades, repetindo sequências
muito utilizadas na MPB de então. Jobim talvez ainda não tivesse assimilado
definitivamente a influência do jazz e da dissonância debussiana.
Poeticamente, a letra
mostra o coloquialismo de Vinicius de Moraes, com os diminutivos que lhe são
peculiares (peixinhos, beijinhos, etc.) e a tentativa de reconstruir uma
situação emotiva que anteriormente fora compensatória ao poeta. “Chega de
Saudade” não prega uma ruptura reconstrutiva na sua letra, mas sim a
recomposição de uma situação anterior positiva. A tristeza do poeta lhe serve
como moleque de recado. Não nos fica claro, porém, se o poeta foi atendido por
sua musa. Percebemos apenas a admissão, no condicional, da beleza da volta.
Assim, de
revolucionário mesmo só a batida do violão de João Gilberto, antecipando a
síncope bossa novista e nos alertando que naquele momento cultural brasileiro,
reflexo de todo um contexto sócio-econômico reinante, haveria espaço para uma
nova concepção musical. Nesse sentido, genial.
Há quem diga, porém,
como o crítico José Ramos Tinhorão, por exemplo, que a Bossa Nova foi uma
excrescência inadequada para o momento em que se deu. O falecido escritor
Ariano Suassuna, respaldado pelo Movimento Armorial, também pensava assim. Pode
até ter sido mesmo. Mas, acreditamos que hoje não há mais espaço para esse tipo
de contestação. A bossa nova se consolidou e desdobrou-se em influências
definitivas para a música popular brasileira. Quem imaginaria a MPB atual sem
ela? A assimilação desses “estrangeirismos”, além de servir para modernizar a
música brasileira, abriria espaços para outros movimentos musicais modernos
como a Jovem Guarda e o Tropicalismo.
Do mesmo modo, a
poesia coloquial de Vinícius de Moraes quebrava com o tom acadêmico e rebuscado
que reinava nas letras das músicas dos anos 40 e 50, talvez influência da
poesia arcádica e parnasiana de então. Simplificavam-se as letras e se
enriqueciam as harmonias e as sequências melódicas. Na Bossa Nova era só isso o
nosso baião. E não era pouco não.
Mas, do mesmo modo que
abri essa crônica querendo homenagear os pais da Bossa Nova, pensava em
escrevê-la também para falar de um amigo que tem o passado como referência. Aos
85 anos, diz que suas atenções estão todas no tempo que se foi, não ousando
fazer planos futuristas que não poderá viver. Costuma dizer que se sente como
se estivesse viajando olhando para trás, para o que se vai (ou se fica) e nunca
para a frente, para o futuro. Talvez ele tenha razão. Mas esta será uma outra
crônica que deixo adiada para o futuro.
Recife, abril 2015
* Poeta, jornalista e radialista,
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