A
diferença entre a morte de Thomaz e a de Eduardo
* Por
Paulo Nogueira
E eis que no Twitter
alguém transformou uma questão de alta complexidade numa coisa simples.
Foi uma resposta a um
texto da Folha que perguntava qual a dor maior, Eduardo ou Thomaz.
Saiamos da platitude.
Todos sabemos que a
dor da perda de um filho é inominável.
Solidariedade
irrestrita à família Alckmin, sobretudo aos pais e aos filhos de Thomaz. A fé
de Alckmin sem dúvida encontrará seu teste maior.
Solidariedade também
irrestrita à família Ferreira, do menino Eduardo.
Mas, tudo isso posto,
as circunstâncias fazem as duas mortes e as duas dores bem diferentes.
As palavras usadas no
twítte que tão bem comparou os dois casos são duras, mas é aquela dureza
associada a verdades cruas.
“Só vendo um PM atirar
na cabeça do filho do governador pra gente poder comparar.”
Está tudo dito aí.
A morte num
helicóptero é um golpe do destino a que todos estamos sujeitos. Dias atrás,
vimos o que fez um copiloto suicida com um avião com 150 pessoas.
É, numa palavra, azar,
um formidável azar. Inevitável, portanto. Pode acontecer alguma coisa parecida comigo
ou com você amanhã, ou mesmo hoje.
Agora: morrer aos dez
anos por uma bala de fuzil de policiais que enxergam você como um bandido numa
favela – não, isso não é inevitável.
Que sociedade é esta
que tolera que suas crianças nasçam, vivam e morram sob uma fuzilaria diária em
condições subumanas?
As favelas são nosso
Iraque, nosso Afeganistão. No Rio, as tropas “pacificadoras” são o equivalente
aos soldados americanos naqueles países, um foco de ódio e de morte.
Num mundo menos
imperfeito, a morte de Eduardo soaria em todos nós um alarme: não mais. Nunca
mais. Chega. Tivemos o suficiente. Nossos meninos, todos eles, principalmente
os desvalidos, têm que viver uma vida digna.
Não lhes damos escola,
não lhes damos hospital, não lhes damos brinquedos, não lhes damos balas e
sorvetes, não lhes damos carinho, não lhes damos futuro. Tudo que oferecemos é
a possibilidade de uma bala fatal, e algumas lágrimas que vão sumindo com o
correr dos dias.
É miseravelmente
pouco.
Eduardo morreu de
desigualdade, e isto não é destino, é escolha. Nossos jornais e nossas revistas
fingem que o maior problema nacional é a corrupção, porque assim ninguém
discute a desigualdade da qual os bilionários barões da mídia tanto se
beneficiam.
Num mundo menos
imperfeito, repito, acordaríamos com o sangue de Eduardo.
Mas neste nosso
universo torto fomos, como sociedade, intoxicados mentalmente pelo noticiário
que consumimos, e batemos panela como mentecaptos para defender cegamente
aquele pequeno grupo cuja ganância e cupidez criam Eduardos a cada dia.
* Jornalista, fundador e diretor
editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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