A cunha renana
* Por
Frei Betto
Na Roma antiga, as
legiões adotavam diferentes formações militares. Uma delas era a cunha, quando
as tropas se moviam em forma de triângulo para encurralar os adversários.
A Renânia é, hoje, a
região mais industrializada da Alemanha. O Tratado de Versalhes (1919) a
desmilitarizou. Hitler, porém, violou o tratado e ocupou-a com suas tropas.
Criou a cunha renana que, ao longo do rio Reno, tinha a função de acuar os
inimigos.
O Brasil conhece,
agora, sua cunha renana. Tem como vértice o PMDB e amplia o cerco sobre o PT e
força o recuo do Executivo.
A brincadeira acabou.
O Congresso já não faz o que o mestre mandar. Sobretudo porque, diante dos
escândalos de corrupção, o mestre já não manda as benesses que, antes,
quebravam resistências e ampliavam o leque de aliados.
Ora, não é porque as
vacas estão magras que os bezerros deixam de querer mamar.
Antigos palácios eram
cercados, como proteção, por fossos repletos de crocodilos. Hoje, o fosso é
político. O Planalto, convencido de que todo poder emana do núcleo duro do
governo, perdeu a sintonia com o Congresso. E também com o Judiciário, uma das
arestas que formam a cunha renana.
Na Praça dos Três
Poderes não há indícios de que Suas Excelências têm olhos e coração voltados
para o Brasil. O foco são as eleições de 2018.
O PMDB, como me
confessou um de seus dirigentes, cansou de ser acólito do PT. Não se sente
devidamente recompensado em número e importância de ministérios. Nem quer
ajudar a carregar o pesado piano do ajuste fiscal depois que cessou a música da
gastança.
Já que escolheu
assegurar sua governabilidade pelo andar de cima (mercado e Congresso), o PT,
sitiado pela cunha renana, sabe que continuará a ser obrigado a negociar seus
princípios e projetos. Leia-se: abdicar de seus propósitos originários.
Ainda mais agora que
se distanciou do andar de baixo, os movimentos sociais, e já não faz trabalho
político de base. Conta com filiados e eleitores, não com militantes.
A cunha renana, sem
dúvida, prosseguirá seu avanço até transformar o Planalto em planície – terra
arrasada. Haja vice para tentar salvar a aliança inconsútil.
O Planalto sabe que há
luz no fim do túnel: os segmentos organizados da expressiva parcela de
eleitores que elegeu o atual governo.
Porém, por
insensibilidade ao andar de baixo, alvo de políticas sociais e, no entanto,
escanteado de participação nas decisões de governo, dificilmente ousará acender
a luz no fim do túnel. Não acredita que ela seria capaz de ofuscar a cunha
renana e obrigá-la ao recuo.
E lembrar que o
partido que agora pensa em se reinventar ou refundar nasceu como expressão
política dos pobres, baluarte ético e socialista, e criou as prévias eleitorais
interpartidárias, o orçamento participativo, os núcleos de base e a consulta
popular...
* Frei Betto é escritor, autor de “O
que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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