O silêncio dos democratas
* Por
Urariano Mota
Eu relutei, tive
dúvida em relatar um fato desagradável acontecido comigo no mais recente dia 13
de março, aqui no Recife. Mas agora mudei pra não ser mudo. Vocês já vão
entender a razão.
Para a defesa da Petrobras
e do governo Dilma, antes de sair de casa no dia 13, aconselhei aos filhos e
esposa:
- Olhem, vão acontecer
provocações da direita. Mas a gente não tem olhos nem ouvidos para a
provocação. Faz de conta que não vemos nem ouvimos, e vamos em frente.
Mas eu próprio não
resisti a 2 minutos de insulto fascista. Assim se deu. Quando a passeata da
multidão vestida de vermelho saiu da Avenida Guararapes, e dobrou para a
avenida Dantas Barreto, antes da Igreja de Santo Antonio, notei que a minha
mulher respondia a um senhor forte, de cabelos brancos. Dizia ela:
- Todos nós somos
trabalhadores.
Então voltei e me
acerquei dele. E ouvi:
- Era bom metralhar,
fuzilar todos os petistas, tudo que é comunista.
- Como é? – perguntei.
E o animal:
- Tem que cortar a
cabeça de todos eles.
- Que é isso? Que
estupidez é essa? – perguntei.
E o animal, passando a
mão na cintura me soltou mais um coice:
- Vou marcar a sua
cara. Pra no dia em que a gente voltar...
Olhem, entre as minhas
raras qualidades não se encontram a coragem ou o desassombro. Mas diante
daquela agressão verbal, pior, mais que verbal, diria, pela promessa que
encerrava e cerrava, com c ou com s, a democracia, na hora me subiu uma onda
que não pude segurar, um calor, um sangue quente veio, e respondi ao fascistão:
- Marque a minha cara,
que eu marco a sua – disse-lhe com os dedos da mão direita em V sobre os meus
olhos. – Marque a minha, que eu marco a sua. Mas vamos prum combate aberto,
franco. Não de modo covarde, não na maior covardia, como vocês fizeram – e
neste ponto eu lhe apontava o dedo, que eu desejava fosse um soco na sua
carantonha criminosa – Não na covardia, como vocês fizeram com os presos
políticos na ditadura. Vocês assassinaram pessoas algemadas, presas,
desarmadas, sob torturas.
Ao que o fascistão,
réu confesso, sentindo-se identificado, saiu puxando a perna como um diabo
coxo. Não sei, tive vontade de segui-lo, mesmo sabendo que entre nós a
civilização estava morta, que palavras mais não se deviam pronunciar porque
eram surdas e absurdas. Um companheiro que ainda não sei quem é, se acercou de
mim e me tocando o ombro procurava me pôr de volta à sensatez:
- O que é que tá
acontecendo com você? Relaxe, amigo.
A pressão estava alta
e desnorteada, e eu não soube como reagir de modo mais sereno.
Contei isso agora
porque uma ameaça maior veio na movimentação no dia 15, em São Paulo. A ótima
coluna Notas Vermelhas já havia chamado a atenção para o vídeo que “mostra manifestantes idolatrando o
famigerado torturador e assassino Carlinhos Metralha, agente do DOPs que
aparece orgulhoso de sua ‘atuação’ durante a ditadura e cercado por
‘admiradores’ ”.
Carlinhos Metralha, o
cara que foi sócio do cabo Anselmo nos 6 assassinatos do Recife em 1973,
aparece na passeata paulista como herói. Os caras não estão folgados. Estão mais
que isso, estão livres, soltos e ameaçadores. Olhem o vídeo onde ele aparece
com a cara obscena
https://www.facebook.com/video.php?v=10152760919021238&fref=nf
ou aqui
https://www.youtube.com/watch?v=ebzEbjflXkM
No vídeo, ele mostra
um cartaz onde se lê: “Quero ser ouvido pela “Comissão da Verdade”. Mas notem
que o corajoso delegado Carlos Alberto Augusto, ou Carlinhos Metralha, herói
dos coxinhas de São Paulo, foi convocado, no fim de 2013, para um depoimento na
Comissão da Verdade de Pernambuco, e não quis vir. Por excesso de valentia,
digamos. Mas no vídeo, ele faz
declarações orgulhosas dos seus crimes:
“Carlinhos Metralha
foi o apelido que os comunistas me deram, porque me respeitam até hoje. Já
andei infiltrado na organização terrorista VPR, conheci pessoalmente alguns
desses delinquentes que estão aí, não metralhei porque não tive essa
oportunidade. Se eu tivesse, faria com o maior prazer”. Mais adiante, aparece
marchando com um velho. Impune. Os pés que ele bate ritmado no chão pisam sobre
os democratas e o sangue de brasileiros assassinados pela ditadura. A isso, a militante comunista Mara Loguercio
respondeu por email:
“Isto já é provocação.
Caberia, no mínimo, ao meu juízo uma ‘notitia criminis’. O cara dizer que não
metralhou nenhum de nós porque não teve oportunidade, embora tenha participado
do assassinato de vários, mas que se tivesse (a oportunidade) o faria com
prazer, se isto não é crime eu jogo todo o material de estudo e prática de
advocacia e magistratura no lixo!!!!
Se mais alguém topar a
ideia, eu penso que nos caberia. Ou no mínimo, uma interpelação judicial ou uma
representação para o Conselho do Ministério Público ou até para a Comissão da
Anistia.
Não dá é para ficar
inerte diante disto. Isso é mais do que passividade, passa a ser cumplicidade
da nossa parte. É minha visão”.
É a nossa visão
também. Porque em outro vídeo, a extrema-direita fala em gravação para pegar em
armas, assassinar Dilma e seguidores:
https://www.youtube.com/watch?v=lsB875X-0KA
Trata-se do
ex-comandante da Policia Militar de Goiás, olhem só, ex-comandante de uma
policia militar, o coronel Pacheco. No vídeo ele insulta a presidenta Dilma
Rousseff e o ex-presidente Lula, além de ameaçar “pegar em armas” para
destituir do poder o atual governo federal – eleito através do voto.
Exaltado, Pacheco
chama Dilma de “chefe de quadrilha” e o ex-presidente Lula de “ladrão”. Ele
diz, ainda, que não tem medo dos “guerrilheiros” da petista. Diz o fascistão,
pago com o dinheiro de todos nós, civis, intelectuais e povo desarmados:
“Quero dizer pra você
Dilma, pra você Lula ladrão, que eu não tenho medo dos seus guerrilheiros, e
tenho certeza que as centenas de milhares de policiais militares dos diversos
Estados desse País também estão prontos para ir para a luta armada para
defender esse País”. E mais:
“Nós policiais
militares da reserva, não aceitamos mais ser roubados e ainda por cima, agora,
ser ameaçados e oprimidos. Nós vamos defender a nossa sociedade e estamos
prontos para qualquer convocação, seja oficial ou não, para lutar contra os
seus guerrilheiros”, completou Camilo, que informou ser coronel da reserva
remunerada há três anos.
Observo que nunca é
demais lembrar que, de um ponto de vista legal, a Constituição Federal em seu
artigo Artigo 5º :
“XLI - a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis
e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime
inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;”
E então? Vamos continuar
à mercê dos criminosos e torturadores, que mal satisfeitos com a impunidade dos
seus crimes, nos ameaçam agora com novos assassinatos, a nós, que fazemos parte
da civilização e da humanidade brasileira? É claro que deveremos reagir com
medidas legais e com movimentos de opinião pública, com uma política de
reassentamento da democracia real. Para que se levem a sério as novas ameaças
dos fascistas.
Ou iremos todos para o
suplício como novos cordeiros para o sacrifício final. Em um novo silêncio dos
democratas, que não viram a tempo a aberração da existência desses velhinhos
dos quarteis.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Está na moda o culto ao ódio. Eu não apoio. No entanto vejo que a omissão, como disse Konstantin Christoff, médico e artista plástico já falecido, que esta seria o oitavo Pecado Capital, estou me coçando para me manifestar e aplaudo o seu texto correto Urariano.
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