O preço da celebridade
“A celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e
força às criaturas, apenas as desvaloriza e enfraquece”. Quem fez essa
constatação foi Fernando Pessoa, que mal sabia que viria a se tornar célebre e
que, tanto suas virtudes, quanto seus defeitos seriam distorcidos,
superestimados e exagerados, quando não inventados por alguém e que essas
distorções, superestimações, exageros e invenções adquiririam foros de verdade,
mesmo não o sendo. É o que em geral acontece nesses casos. É o “preço da fama”,
assim podemos caracterizar. O poeta, jornalista, humorista e moralista francês Sebastien-Roch
Nicolas de Chamfort foi mais direto, enfático e exato ao afirmar: “Uma
celebridade é aquele que é conhecido por aqueles que não o conhecem”.
Machado de Assis tratou com sua habitual maestria, e sem
ambigüidades, dessa questão na crônica que publicou, em 14 de fevereiro de
1897, na coluna “A Semana” do jornal “Gazeta de Notícias”, intitulada “O homem
que briga lá fora”. Referia-se a Antonio Vicente Mendes Maciel, líder da
rebelião de Canudos – que só foi sufocada após quatro incursões militares, com
grande contingente de soldados e armas pesadas, como modernos (para a época) e
potentes canhões. Em três batalhas anteriores, seus homens, sem nenhum
adestramento para combate e dispondo, apenas, de rústicas espingardas, dessas
de se carregar pela boca, haviam sido vencedores.
Machado de Assis escreveu a propósito: “Conheci ontem o que
é celebridade. Estava comprando gazetas a um homem que as vende na calçada da
Rua de S. José, esquina do Largo da Carioca, quando vi chegar uma mulher
simples e dizer ao vendedor com voz descansada:
— Me dá uma folha que traz o retrato desse homem que briga
lá fora.
— Quem?
— Me esqueceu o nome dele”.
E na sequência, Machado comenta: “Leitor obtuso, se não
percebeste que ‘esse homem que briga lá fora’ é nada menos que o nosso Antônio
Conselheiro, crê-me que és ainda mais obtuso do que pareces. A mulher
provavelmente não sabe ler, ouviu falar da seita dos Canudos, com muito
pormenor misterioso, muita auréola, muita lenda, disseram-lhe que algum jornal
dera o retrato do Messias do sertão, e foi comprá-lo, ignorando que nas ruas só
se vendem as folhas do dia. Não sabe o nome do Messias; é ‘esse homem que briga
lá fora’. A celebridade, caro e tapado leitor, é isto mesmo. O nome de Antônio
Conselheiro acabará por entrar na memória desta mulher anônima, e não sairá
mais...” Será que entrou? Bem, se isso ocorreu não foi, certamente, por pleno
conhecimento de causa. Foi pelo que ela leu (caso soubesse ler), sem questionar
o teor dos textos e sem nunca colocar em dúvida sua veracidade.
Machado escreveu, ainda, nessa reveladora crônica: “Esta é a
celebridade. Outra prova é o eco de Nova York e de Londres onde o nome de Antônio
Conselheiro fez baixar os nossos fundos. O efeito é triste, mas vê se tu,
leitor sem fanatismo, vê se és capaz de fazer baixar o menor dos nossos
títulos”. Isso tudo é muito diferente do que ocorre hoje, tanto no País quanto
no Exterior, diante de alguma mera “suspeita”, transformada em “denúncia”, das
tantas que pipocam por aí, sobre alguma autoridade, antes mesmo de haver
qualquer prova que a fundamente? Ora, ora, ora... Trata-se do lado negativo,
perverso e implacável, da celebridade.
O que irritava, particularmente, Machado de Assis era a
forma como os acontecimentos de Canudos eram noticiados. Nenhum jornal havia,
até então, enviado repórter próprio para a área de conflito. As reportagens
baseavam-se, todas, em telegramas enviados pelas autoridades locais para o Rio
de Janeiro ou em boatos a propósito que circulavam em profusão. Ora, tais
fontes, até estátuas de pedra perceberiam, eram “poluídas”, já que a única
versão, que a imprensa acatava sem contestar, era de uma das partes
interessadas. E esta... óbvio, não era a dos rebelados. Mesmo quando Euclides
da Cunha foi destacado para cobrir o conflito, sua versão (posto que genial,
dada sua erudição e conhecimento de causa) não deixava de ser parcial. Era do
ponto de vista de quem combatia os rebeldes (destaque-se que ele era, antes de
tudo, militar).
Em 13 de agosto de 2011 escrevi um texto a respeito,
intitulado “A guerra no sertão”. Na ocasião, ainda não havia lido as crônicas
de Machado de Assis sobre o Conselheiro. Escrevi, então: “A bibliografia a
respeito (da Guerra de Canudos) – nacional e internacional – é vasta. Desde
Euclides da Cunha, com seu clássico ‘Os Sertões’, ao peruano Mário Vargas
Llosa, com ‘A Guerra do Fim do Mundo’, livros de todos os gêneros – da análise
histórica a romance –, foram escritos a esse propósito. Mas a maioria das obras
segue o mesmo tom da época dos acontecimentos, enfocados fartamente pela
imprensa, em especial a do Rio de Janeiro, capital da República de então.
Considera os sertanejos envolvidos nesse drama e, em especial seu líder,
Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, como mero bando de lunáticos;
como um grupelho de fanáticos religiosos, condenados pela própria Igreja”.
E aduzi: “É uma visão muito simplista, bem ao gosto da
elite. Canudos, na verdade, foi mais uma revolta dos excluídos, dos
despossuídos, dos vilipendiados, dos esquecidos, dos ‘sem-terra’, dos quais o
País estava, e ainda está mais do que nunca, repleto. Os moradores do arraial,
fundado em 1893 na invadida Fazenda Velha, no município de Massaté, eram
camponeses pobres (como os invasores de hoje), expulsos de suas terras pelas
sucessivas secas e pelo latifúndio. Um século e uma década depois, o que mudou
foi somente o discurso. E o número de brasileiros vítimas dessa exclusão social”.
Sem saber, como se vê,, expressei a mesmíssima opinião de Machado de Assis
sobre Canudos (posto, claro, sem o mínimo fragmento da sua genialidade). Mas...
Antonio Conselheiro e seus seguidores pagaram o preço da (má) celebridade,
equívoco que o tempo não conseguiu desfazer. Será que conseguirá?
Provavelmente, jamais!!! E a verdade? Ora, a verdade...
Boa leitura.
O Editor.
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De uma forma ou de outra, Pedro, de vez em quando o vejo às voltas com alguma implicância com o "sucesso" e a "fama". Agora entra mais uma palavra paralela em cena: "celebridade". E outro passeio agradável pelo passado.
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