Era uma vez um político honrado
* Por
Mara Narciso
Quando Toninho Rebello
foi indicado para prefeito de Montes Claros durante a recém instalada Ditadura
Militar, em 1966, havia o bipartidarismo ARENA – Aliança Renovadora Nacional,
partido do governo e o MDB - Movimento Democrático Brasileiro, a oposição.
Então eu vi, aos 11 anos, a minha mãe Milena Narciso Cruz olhar o fato com
desconfiança. Ela foi uma revolucionária calada, e meu tio Pedro Narciso, tido
como esquerdista, tinha sido na cidade, um dos cinco fundadores do incipiente
partido contrário ao governo. Os fatos
do primeiro mandato (1967 a 1970) mostraram, por importância e magnitude, que
as suspeitas eram infundadas, e ainda que preferíssemos as eleições diretas,
elas chegaram e nos calaram de vez, pois, consagraram Toninho Rebello para um
segundo mandato (1977 a 1982). Ele teve mais votos que os cinco oponentes
somados.
Meu pai Alcides Alves
da Cruz foi defensor da Ditadura Militar e, ainda que não fosse nascido em
Montes Claros, era um montes-clarense apaixonado. Nisso, fazia páreo com
Toninho Rebello, que tinha um amor confessado para com a sua cidade. Alcides
era fã das ações de Toninho, que ele chamava de “seu Tunim”. E ainda que eu
menina, me relacionasse com posições opostas à mesa do café, via com alegria a
poeira ser substituída por asfalto de boa qualidade, sendo antes colocado
esgoto nas ruas centrais, perto de onde eu morava. Em 1970, foi inaugurado o
Parque Municipal Milton Prates, uma jóia de lugar, que depois tive o prazer de
usufruir melhor, quando morei no Bairro Morada do Parque, nos anos mais felizes
da minha vida.
O livro “Toninho
Rebello, o homem e o político”, escrito pela sua sobrinha professora Dra. Ivana
Ferrante Rebello e pelo jornalista Jorge Silveira, presta uma homenagem de
amigos, pois não cita defeito algum no retratado. Isso não significa que a obra
decepcione, ainda que se sinta a timidez de Ivana, escritora de muitos
cabedais, em falar do tio, um homem reservado e sério. Grande fazendeiro, filho
de português, Antônio Lafetá Rebello teve uma criação rígida, e seu caráter foi
moldado por essa cartilha. Quando os autores falam que o ex-prefeito, falecido
em 1992, era engraçado, custa-se a acreditar. Porém, como certas
características são hereditárias, eu conheci esse lado, indiretamente, pois fui
colega da sua filha Cristina Athayde Rebello no primário, ginásio, científico e
faculdade de medicina, e via nela, e de forma marcante, esse lado espirituoso.
Também convivi com sua outra filha Vera Lúcia Athayde Rebello Gomes, já
falecida, que tinha presença de espírito, com tiradas engraçadas. Acreditei na
informação do livro.
Quase nada foi
revelado dos aspectos pessoais, comuns ou pitorescos do homem Toninho, e é
natural a curiosidade do leitor, pois a chamada da capa sugere que se falará da
personalidade, emoções e ações pessoais do biografado. Nisso Ivana ficou nos
devendo, pois, do ponto de vista de curiosidade, só contou que o menino subiu a
serra, retornando à noite. Disse ao pai que tinha ido ver as luzes da cidade, e
foi castigado. O estilo discreto e fechado é de família, que, sendo rica,
poderia ostentar, mas, avessa a aparecer, é de hábitos monásticos. Nunca
cheguei a ver a sua esposa Marcolina, embora tenha entrado na sua casa, perto
do atual mercado central, uma meia dúzia de vezes. Adorada pelas filhas, era,
do ponto de vista de primeira dama, uma sombra, na discrição e apoio às
decisões do marido.
As obras de Toninho
Rebello mudaram a cara da cidade e foram sólidas e definitivas. Entre elas,
Parque Municipal, esgoto e asfaltamento das ruas centrais e dos bairros
próximos, Lago Norte, Anel Rodoviário, Avenida Sanitária (saneamento do Rio
Vieiras, esgoto da cidade). O homenageado é Deputado Esteves Rodrigues, mas,
para horror dos visitantes, os moradores só falam “Sanitária”. A Rodoviária
imensa e longe há 32 anos, ideal e dentro da cidade hoje, foi construída na sua
segunda gestão. Trouxe o sinal de TV, em 1966, e bem depois, um grupo de
amigos, sob sua influência, criou a TV Montes Claros. Fez o polêmico e futurista
“Plano Diretor”, que desapropriaria áreas centrais, enlarguecendo as ruas, mas
nunca saiu do papel, pois seus sucessores o engavetaram. Meu pai ansiava por
vê-lo concretizado.
Jorge Silveira diz que
Toninho Rebello não era político no sentido populista, de querer transformar
obras em votos, mas deu seu golpe de mestre em termos de estratégia. No seu
primeiro mandato, tinha quatro vereadores na oposição, e para neutralizá-los,
chamou um deles, o meu tio Pedro Narciso para ser o seu líder na Câmara
Municipal. Assim, pôde ver aprovados os seus projetos. Dirigia seu próprio
carro, pagava pela gasolina, e proibia os filhos e demais parentes de
aparecerem na Prefeitura. Com o livro, ainda que singelo, pôde-se imaginar quem
foi Toninho Rebello, gente de bem, que, sob qualquer aspecto, mostrou-se
correto e cauteloso no uso do dinheiro público, fazendo-o se multiplicar em
benefício da cidade. Ficou o mito de homem íntegro e melhor prefeito da cidade,
resgatando-se o político honrado e reto que foi. E que sirva de exemplo às
novas gerações.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Difícil encontrar um político com tão honrada biografia. Busto de praça para Toninho Rebello. Esse merece! Abraços, Mara.
ResponderExcluirSim, nesse ponto foi quase unanimidade na cidade. Ainda assim, teve de ouvir mentiras. Obrigada, Marcelo, pela passagem e leitura.
Excluir