A Voz do Rio de Janeiro
O jornalista e escritor Luciano Trigo, na introdução do seu
livro “O viajante imóvel – Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo”,
indaga, a certa altura: “Até que ponto a criação literária é influenciada por
aspectos sociais e mesmo geográficos do ambiente?”. Considero essas influências
fundamentais, mesmo quando não se revelem ostensivas, ou que seja difícil, se
não impossível identificá-las. Mas elas estão ali, em sua obra, ora visíveis,
bem à mostra, ora camufladas, desafiando o leitor, o estudioso de Literatura e,
sobretudo, o crítico a encontrá-las e revelá-las. Só mesmo uma pessoa
insensata, imprudente e tola (para dizer o de menos) escreve sobre o que não
conhece. Se o fizer, estará sujeita ao ridículo. Ademais, se escrever algum
livro “chutando” para todos os lados, sem saber nada, rigorosamente nada do que
se propõe a abordar, por maior que seja seu talento, gerará, ao fim e ao cabo,
um monstrengo caricato e disforme, sem a menor chance de ser publicado.
Em uma crônica que escrevi, em 26 de março de 2012, afirmei,
a determinada altura: “Emile Zola rotulou o escritor de ‘historiador da moral
humana’. E estava errado? Claro que não. É isso que nós, que exercemos essa
fascinante, posto que perigosa e não raro frustrante atividade (e o perigo
reside na possibilidade de resvalarmos facilmente para o ridículo), de fato
somos. Para tanto, devemos ser, além de atentíssimos observadores, pessoas
muito bem informadas. Se não tivermos condições de reunir, simultaneamente, essas
duas características, será mais prudente e inteligente escolhermos outra
atividade, que não a literatura, para exercer. Como criar personagens
marcantes, verossímeis e que se destaquem sem contar com essas virtudes que
citei? Não vejo como”.
Na sequência, complementei: “Zola conclui que o ficcionista,
‘historiador da moral humana’, deve ser um pintor de tipos, um narrador de
dramas, e um colecionador do bem e do mal. Tanto sobre a moral como sobre a
religião e a política, um escritor deve ter idéias bem definidas; deve ter a
sua opinião sobre os negócios dos homens’. E não é assim? Se alguém discordar
(embora não creio que se discorde), que me explique como é possível se escrever
sobre algo que se desconhece. Não vejo como alguém possa fazer essa mágica.
Ouso afirmar que não pode”.
Luciano Trigo, por seu turno, acrescenta, na introdução do
seu livro: “A relação de um escritor com sua cidade é quase sempre um tema
fascinante. Bastaria lembrar o inestimável ensaio de Walter Benjamin sobre
Baudelaire e Paris. No caso de Machado de Assis, isso é ainda mais verdadeiro,
não apenas porque o autor de Dom Casmurro praticamente nunca deixou o Rio de
Janeiro – daí a brincadeira do título “O viajante imóvel”, pois a viagem dele é
mais interior do que propriamente física –, mas também pela presença assídua da
cidade nos seus textos”. São raros seus contos e romances em que algum ponto
específico, algum aspecto característico, alguma paisagem peculiar da então
capital do Império não sejam citados. E Machado o faz com naturalidade, com
familiaridade, com a espontaneidade de quem sabe do que fala, por conhecer de
sobejo.
A relação umbilical de escritores com determinadas cidades
não se limita ao caso citado por Trigo, a título de exemplo: o de Charles
Baudelaire com Paris. Citei um deles, em relação à mesma cidade, em texto que
escrevi em 9 de outubro de 2014. Referi-me na ocasião ao escritor francês,
Patrick Modiano, na oportunidade em que foi agraciado com o Prêmio Nobel de
Literatura. De acordo com os críticos, sua principal característica literária é
semelhante à de outro “monstro sagrado” das letras, Marcel Proust, “pela
temática adotada e pela profundidade de suas reflexões”. Todavia, o aspecto que
mais chama a atenção em Modiano é seu profundo vínculo, seu apaixonado apego
com a “Cidade Luz”, a ponto de torná-lo conhecido como “A Voz de Paris”.
Por esse critério – e por qualquer outro que se adote –
Machado de Assis pode ser considerado, sem nenhuma impropriedade e sem qualquer
exagero, a lídima e vibrante “Voz do Rio de Janeiro”. De acordo com os
críticos, Patrick Modiano está para a “Cidade Luz” (onde nasceu), como o
cineasta Woody Allen está para Nova York. E o que dizer, então, de Machado de
Assis, que não só nasceu na Cidade Maravilhosa, mas nela viveu, trabalhou,
amou, sofreu e morreu? Sim, o que dizer desse “viajante imóvel” (como Trigo o
caracterizou)? Se quisermos estabelecer relação parecida, ou semelhante com a
anteriormente citada, teremos que concluir, até por questão de justiça, se não
de lógica: Machado de Assis está muitíssimo mais para o Rio de Janeiro do que
Patrick Modiano está para Paris (com vínculo fortíssimo, admita-se) e do que
Woody Allen está para Nova York!!!! Ou do que Charles Baudelaire sempre estará
para a “Cidade Luz”!!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
É preciso concordar e aplaudir.
ResponderExcluir