Sensação
de já vivido
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A nossa mente encerra mais mistérios do
que possa prever “nossa vã filosofia”. Há coisas que não compreendo e,
certamente, jamais irei compreender, por maior que seja a minha evolução mental
e intelectual.
Você, paciente leitor, já não teve
algum dia a estranhíssima sensação de já “ter vivido esse momento” que tem
certeza de estar vivendo pela primeira vez? Ao ir a um determinado lugar, em
que nunca esteve, não lhe parece que ele é familiar e que já pisou ali, sem se
lembrar quando?
Eu já passei por essa experiência e
mais de uma vez. Não raro cruzo com pessoas que tenho absoluta certeza de já as
conhecer, mesmo sem nunca antes haver sequer sabido da sua existência. Algo
nelas – a aparência, a voz, os gestos – desperta-me vaga lembrança de um
conhecimento prévio que, no entanto, nunca existiu.
Aliás, a esse propósito, vivi uma
experiência que hoje me desperta riso, mas que na ocasião me deixou muito
constrangido. Ocorreu há uns 40 anos, mas lembro-me nitidamente do episódio,
como se tivesse acontecido ontem.
Estava eu, certa vez, na Estação da
Luz, esperando o trem subúrbio para São Caetano do Sul, onde residia, quando a
uns vinte passos de onde estava, na plataforma de embarque para o ABC, vi uma
pessoa com a qual não me encontrava há uns cinco anos. Fiz-lhe um sinal de
cabeça, e ela nem se tocou. Deve ter pensado que não era para ela.
Aproximei-me do tal indivíduo e, sem
mais delongas, sem um olá ou aperto de mão sequer, fui logo lhe dando um
abraço, desses de urso, que os amigos dão uns nos outros quando se reencontram,
após prolongado período sem se verem. A tal pessoa olhou-me, entre atônita e
desconfiada, fez pressão para desvencilhar-se dos meus braços, e me perguntou:
“quem é você?”, sem dissimular certa hostilidade.
Interpretei aquele gesto como uma
espécie de gozação do amigo (ou de quem eu supunha que fosse), até notar, pela
sua expressão, que ele não estava brincando. “Ora, Rodrigo, deixe de
brincadeira! Claro que você sabe que sou o Pedrão!”, disse-lhe, já um tanto
irritado. O sujeito olhou-me de alto abaixo, afastou-se uns três passos e
respondeu, pronto para brigar: “Não
conheço você!! Não sei de nenhum Pedrão!”.
Foi aí que me toquei que poderia estar
falando com a pessoa errada. Desculpei-me, ainda não totalmente convencido do
engano e tentei me explicar, para que a pessoa não me interpretasse mal. Suspeito
que não tive sucesso. Não culpo o sujeito por sua intempestiva reação. Afinal,
já naquele tempo, São Paulo convivia com assaltos de toda a sorte,
especialmente com a ação de batedores de carteira, embora muitíssimo menos do
que nos dias de hoje, convenhamos. E, nessas circunstâncias... todo cuidado é
pouco.
“Não me chamo Rodrigo e nunca lhe vi
mais gordo”, completou o irritadíssimo cidadão, que certamente interpretou a
minha abordagem como um gesto de malandragem ou algo pior para a minha
reputação. Eu não sabia onde enfiar a cara. Disfarcei e me afastei de fininho,
uns vinte metros do tal cidadão, para sequer viajarmos no mesmo vagão.
No caminho para casa, fui refletindo
sobre o episódio, ainda não convencido do meu engano. “Não é possível!”,
pensei. A pessoa que eu havia abordado era, sem tirar e nem pôr, meu amigo
Rodrigo. Tinha o mesmo jeito de pentear o cabelo, a mesmíssima aparência, o
mesmo olhar, o mesmo timbre de voz, tudo. Até hoje tenho dúvidas a respeito. Não
deveria ter, pois dias depois, encontrei o “verdadeiro” Rodrigo, agora com um
pé atrás em relação a essa pessoa. Foi ele que tomou a iniciativa de vir ao meu
encontro e me dar um forte abraço.
Narrei-lhe o acontecido na Estação da
Luz e ele jurou-me que não era ele quem eu havia encontrado e feito tão
desastrada abordagem. Garantiu-me que, na ocasião, sequer estava em São Paulo , pois se
encontrava em casa de parentes, no Norte do Paraná. Até hoje, confesso, não me
convenci do suposto “engano”.
Com lugares, essa sensação de “já
visto” é ainda mais aguda e mais freqüente. Quando estive pela primeira vez em
Pernambuco, por exemplo, senti isso em Caruaru, onde jamais estivera antes, ao
visitar determinado bosque.
Alguma coisa insistia em me dizer:
“você já esteve aqui”. E mais, tive a sensação de que, atrás de uma cortina de
árvores cerradas, havia um riacho de águas cristalinas. Resolvi conferir e,
para o meu pasmo... havia mesmo.
Como eu poderia saber, se nunca havia
estado naquele lugar?! Até hoje não entendo este e outros tantos episódios
semelhantes (ou, pelo menos, parecidos) pelos quais passei. Jorge Luiz Borges
escreveu o seguinte sobre esse tipo de situação, no livro “História da
Eternidade”: “A sensação ‘de já ter vivido esse momento’ por vezes nos deixa
pensativos. Os partidários do eterno regresso nos juram que é assim e buscam
uma corroboração de sua fé nesses estados de perplexidade. Esquecem que a
lembrança implicaria uma novidade que é a negação da tese e que o tempo a iria
aperfeiçoando – o ciclo distante em que o indivíduo já prevê seu destino, e
prefere agir de outro modo”.
Por que temos esse tipo de sensação? É
mera coincidência? Algum ancestral meu já se encontrou com pessoas parecidas ou
esteve nesses lugares e me transmitiu, na herança genética que me legou, essas
informações? Existe esse tipo de registro e, se existe, ele é transmitido de
geração a geração? Há, de fato, o eterno regresso? Claro que, racional e
cartesiano como sou, não creio nessa hipótese. Então, como explicar esse
fenômeno? Há ou não há, pois, “mais mistérios entre o céu e a terra do que
supõe a nossa vã filosofia?!”
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
O "déjà vu" deve ser uma falha no funcionamento mental, que a mim chega a ser desagradável, embora fugaz. Ainda bem. Menos comum é o "jamais vu", no qual um lugar corriqueiro nos parece desconhecido. A sensação ruim, nos leva apensar nalgum problema neurológico ou psiquiátrico.
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