Quem puxa aos seus não degenera
* Por
Clóvis Campêlo
Isso quem diz é o dito
popular. Mas, se a voz do povo é a voz de Deus, não há do que reclamar. Assim,
herdamos dos nossos antecessores não só as características positivas, como
também o que há de ruim e negativo.
Do meu pai, por
exemplo, herdei a hipertensão severa que, como doença degenerativa que é, já se
desdobra em outras consequências. Meu pai morreu cedo, em consequência de
acidente vascular cerebral hemorrágico acontecido poucos dias antes do seu
aniversário de 63 anos. Morreria poucos meses depois, em outubro de 1983.
Assim como ele, fiquei
hipertenso cedo, aos 33 anos. De lá para cá tem sido uma longa caminhada de
convivência e conhecimento da doença. Embora tenha deixado de fumar na época,
só larguei a cervejinha agora, aos 63 anos, depois de de uma isquemia cerebral que
me deixou dez dias no hospital, em novembro próximo passado. Coincidentemente,
a isquemia também aconteceu poucos dias antes do meu 63º aniversário. Na UTI do
hospital, reencontro Paulo Felinto, um primo da minha mãe, da cidade do Rio
Formoso, o qual não via há mais de 30 anos. Recuperei-me e tive alta, mas Paulo
não teve a mesma sorte, vindo a falecer. Quando se entra na chamada terceira
idade, tudo pode acontecer a qualquer hora do dia ou da noite.
Da minha mãe, herdei a
diabetes melitus. No entanto, contrariamente à hipertensão, a doença só veio se
manifestar no início de 2013. Outra doença que evolui, mesmo com os cuidados
necessários, e nos priva de alguns dos muitos prazeres da vida. Diante da
evidência desse dois males, só nos resta repensar a vida e o nosso
comportamento diante dela.
Não nos basta, porém,
a dieta adequada. O uso de medicamentos passa a ser necessário e, assim, nos
vemos diante de outros problemas e situações. Se a medicação por um lado nos
ajuda a controlar as doenças, por outro lado pode nos provocar reações
inconvenientes e problemáticas. As chamadas doenças iatrogênicas podem se
desenvolver a partir daí. Reações alérgicas são possíveis, mesmo para
medicamentos que já são utilizados há muito tempo. Alterações físicas, químicas
e psicológicas podem ocorrer no nosso organismo, provocando sintomas nem sempre
agradáveis ou suportáveis. É preciso estar atento e forte na observação e no
controle desses efeitos. Nessa estratégia de sobrevivência, médicos e pacientes
tornam-se quase parceiros. Quiçá se tornem até amigos ao longo dos anos.
Mas a herança genética
familiar pode até mesmo nos levar à doenças herdadas de parentes mais
distantes. Hoje, sofro também de artrite gotosa, provocada pelo excesso de
ácido úrico no meu organismo, por minha incapacidade orgânica de eliminar
convenientemente as purinas. Meus pais não sofriam desse mal. Descubro, porém,
um primo longínquo, pelo lado materno, portador desse mal e de onde pode ter
vindo essa minha outra herança. Chamava-se João. Eu o conheci já velho, quase
cego, capengando com as juntas entrevadas. Atendia a todos, sem ressentimentos
pela alcunha de João da Gota. Je vou salue, João, pela dignidade de ter vivido
a vida do que jeito que a vida a ti se ofereceu. Além de João, a todos eu saúdo
pela herança genética que fez de mim o que eu sou.
Afinal, quem puxa aos
seus não degenera!
* Poeta, jornalista e radialista,
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