Quem ama o feio...
O acaso – “casamenteiro” por excelência que sempre interfere
em nossos casos de amor, ora para nos tornar felizes, ora para gerar tragédias –
se encarregou de colocar, frente a frente, Machado de Assis e aquela que viria
a se tornar não somente sua musa, mas sua fiel e leal companheira, sua esposa
pelo resto da vida: Carolina Augusta Xavier de Novaes. Foi encontro fortuito,
casual, portanto, não planejado. Ninguém, em sã consciência, poderia supor,
sequer remotamente, que aquele homem e aquela mulher iriam estreitar relações,
namorar, noivar e, finalmente... serem protagonistas de um improvável
casamento. E por que a improbabilidade? Bem, por todos os motivos que o leitor
possa imaginar.
Carolina Augusta Xavier de Novaes, portuguesa, que havia
chegado ao Rio de Janeiro em 1866, era moça que, além de atraente (não
propriamente bonita, mas que não podia, de forma alguma, ser considerada feia)
era bastante prendada. Tinha cultura acima da média. Lia muito, sobretudo os
clássicos europeus, mas principalmente os portugueses, que conhecia como
poucos. Freqüentava teatros, saraus e os mais refinados círculos sociais da
cidade. E tinha, principalmente, uma série de hábitos e de virtudes que a
distinguiam da maioria das mulheres do seu tempo. Desde que chegou de Portugal,
contava com uma legião de pretendentes, de excelentes partidos, moços das
melhores famílias da elite carioca, que “arrastavam as asas” para a
portuguesinha sestrosa.
Já Machado de Assis... pelo menos fisicamente, não era
nenhum Adonis. Era, até, para os padrões da época (e provavelmente para os de
hoje também) um sujeito “feioso”. Era, por exemplo, mulato, em um país
sumamente preconceituoso (e que ainda é, a despeito da hipocrisia que cerca
essa questão de preconceito racial, que tanta gente nega com muita ênfase, mas
que mal consegue disfarçar no dia a dia), em que a escravidão ainda era tida e
havida como coisa “normal”. Pior: era, até mesmo, símbolo de status econômico e
social para os que mantinham escravos em suas casas e fazendas. Ademais, o
futuro gênio das letras era raquítico, doentio e muito tímido, em decorrência,
principalmente, de uma renitente gagueira que o atormentava.
Aliás, sua “cor” por muito pouco não inviabilizou seu
casamento. E não exagero, estejam certos, e nem estou inventando nada, ao
afirmar isso! Alguns biógrafos, baseados em testemunhos confiáveis da época,
asseguram que dois dos irmãos de Carolina, Miguel e Adelaide, se opunham
ferozmente àquele relacionamento dela com “um mulato”. A graciosa e prendada portuguesinha,
porém, não se abalou co0m isso e soube ver além das aparências. Se é verdade
que Machado de Assis não era nenhum primor de beleza masculina, tinha outros
tantos méritos e predicados que os “bonitões” da época nem poderiam sonhar.
Era, por exemplo, um sujeito elegante, que sabia se vestir bem e se vestia
mesmo. E sua elegância não se restringia às vestes, mas se estendia aos gestos,
às palavras e à cortesia.
Quanto à cultura, nem é preciso destacar. Mesmo nunca tendo freqüentado
nenhuma faculdade, Machado de Assis era cultíssimo e respeitado por isso
(embora invejado por muitos e até hostilizado por alguns pseudo-intelectuais,
posto que veladamente). Já havia publicado oito livros (“Crisálidas” e mais
sete peças de teatro). Entre virtudes e defeitos, portanto, os primeiros davam
de dez a zero sobre os segundos. Era, pois, um “partidão” para uma mulher
inteligente e vivida que não se deixasse levar por aparências. Ademais... bem
diz o dito popular: “quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Carolina era quase cinco anos mais velha do que Machado de
Assis (nasceu em 1835 na cidade do Porto). Tinha, portanto, maior experiência
do que escritor, principalmente levando-se em conta que as mulheres amadurecem
um par de anos antes que os homens da mesma idade. Ela veio para o Rio de
Janeiro para cuidar de um irmão enfermo, o poeta Faustino Xavier de Novaes, em
cuja casa o casal se conheceu. Este, é justo destacar, não se opôs, em momento
algum, ao casamento, como seus dois outros irmãos fizeram. Não pôde, todavia,
testemunhar a união de que fazia gosto. Morreu meses antes.
Bastou um único encontro para que Machado se apaixonasse por
sua musa,.à qual chamou, pelo resto da vida, de “minha Carola”. Pouco a pouco
foi penetrando no coração e na mente da amada, com gestos carinhosos e palavras
de amor e de esperança, sobretudo, nas várias cartas apaixonadas que escrevia.
Previa, em uma delas,,futuro brilhante para ambos. Foi na datada de 2 de março
de 1869, quando escreveu: "...depois, querida, ganharemos o mundo, porque
só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e
das suas ambições estéreis". E ganharam mesmo.
Em outra carta, “Machadinho” (como o escritor assinava essa
correspondência amorosa) declarou: "Sofreste tanto que até perdeste a
consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres
obedecida (...)", E em outro trecho da mesma mensagem aduziu: "Tu
pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar (...)".
Era paixão pura, que só poderia resultar no que de fato resultou. Em 12 de
novembro de 1869, aquele relacionamento “improvável” pelas razões que
mencionei, teve desfecho feliz: Machado de Assis e Carolina Augusta Xavier de
Novaes casaram-se, até “que a morte” os separasse. E um dia os separou...
Boa leitura.
O Editor.
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Ficou um relato doce o namoro e casamento dos dois.
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