Quando morre vira santo
* Por
Mara Narciso
Os elogios chegam
copiosos, e intermináveis. Gente avoluma mais lotes de palavras positivas, uns
acalentando os outros. Então, se vê a verdadeira grandeza daquela pessoa que
esteve por aqui, trazendo palavras de incentivo, força e fé, confirmando o bem,
agregando, incansavelmente. E em pleno disfarce. Por ser um entusiasta, seu
exagero camuflava a real dimensão do que fazia, e como disse sua sobrinha Lívia
Cabral, causou surpresa até aos mais próximos o tamanho de quem já não está
entre nós. Desapareceu.
Aconteceu uma
homenagem póstuma de peso no “Programa Nossa Arte Nossa Gente”, da Rádio
Unimontes, 101,1 megahertz e na internet www.unimontes.br/rádio, a José Geraldo
Mendonça Júnior, o Penninha Júnior. Ele cunhou um poema icônico, que diz assim:
“O
amor só cresce
quando
se reparte
Fazendo
da parte o todo
Do
todo a parte
Enfim,
cada um a sua parte”
Alguns dias depois da
sua morte, que aconteceu de forma não combinada, seus amigos estão aos pedaços,
ainda presos em lamentações, exatamente porque Júnior foi uma pessoa
verdadeira, algo ingênua, que, desinteressadamente trabalhou em prol da
cultura, da música e da poesia, que era a sua verdadeira arte.
Seu território
profissional era a economia, seu trabalho, a humanização do Hospital
Universitário, sua luta era por um mundo melhor. Já suas paixões foram várias,
e seus amores universais. Lutou contra o preconceito e as injustiças, e levava
isso de forma leve, embora se valesse de informações concretas para argumentar.
A boa música, a
família e seus amigos estão órfãos. A sua dedicação aos pais, irmãs e
sobrinhas, num cuidado incondicional, do tipo que resolve tudo, deixa um rasgo
que continua a sangrar. Quem vai fazer o que ele fazia, silenciosamente?
Porque, com humildade, mas com posição definida, afastava-se da queda de braço,
até por não ter força física. Saía de cena, não sem antes mostrar sua
implicante militância de esquerda, alicerçado em contra-argumentos
intransigentes. Era o jeito dele, na sua
mania de ser bom, num otimismo sorridente. Inimigos, se os tem, são meros
oponentes ideológicos.
A fragilidade motora
moldou sua personalidade, fazendo-o forte para enfrentar, não apenas a ironia
da humanidade, que aprecia o perfeito, mas também à crítica cruel. No começo da
sua caminhada, quando ainda não conseguia andar, já chegando aos cinco anos,
sua mãe Nininha Narciso Mendonça fazia exercícios com ele, e sonhava com o dia
em que ele andasse sem ajuda no seu velocípede de metal. Com o pescoço molinho,
a guerra foi longa, com várias batalhas, até que um dia, conseguiu deslocar-se
por seus próprios meios. Quando já caminhava, veio o trator, este de plástico
verde, que tinha uma carrocinha, onde a sua mãe, pouco a pouco colocava tijolos
para ele puxar e se fortalecer, já que lhe faltavam músculos. Ao espaço de
dias, era colocado mais um tijolo. Uma vez, Júnior menino foi até a porta da
rua no seu trator, porém com a carretinha vazia. Uma criança da vizinhança, que
costumava humilhá-lo com escárnio, riu debochado: “Uai, hoje você não vai fazer
força puxando tijolos?” No que ele respondeu: “Quando eu precisar de força, meu
pai paga você para puxar o trator.” O vizinho não mais zombou dele.
Alex Tuta e Lúcio
Higino, os apresentadores do “Programa Nossa Arte Nossa Gente” fizeram a
homenagem, considerando-se que Penninha Júnior foi um ativo incentivador da
música, com palavras, contatos e ações.
Trouxe gente de todos os cantos até a Rádio Unimontes, se não em pessoa,
pelo menos em CD, proporcionando uma divulgação integral de novos cantores e
compositores. Isso enriqueceu o programa. Tocaram depoimentos e músicas de
Marcos Assunção, Sérgio Andrade, Pedro Sampaio, Tuia Lencione e Aline Mendonça,
que foram vítimas da divulgação incansável de Penninha Júnior. O agitador
cultural Aroldo Pereira declamou um dos poemas do poeta, destacando a sua
participação nas várias edições do “Salão Nacional de Poesia Psiu Poético”. A
cantora Débora Rosa, que cantou no seu velório a música Beatriz, de Chico
Buarque, também se fez presente em elogios.
Não e não. Morrer não
torna santos os maus, tornam melhores os bons, pois, o que nos passou
despercebido, vem à tona, fazendo presente o passado, e os verdadeiros feitos
aparecem. Assim fez e foi Penninha Júnior! Você pode alegar que ele não fez
nada de mais. Morra e veremos a repercussão da sua morte.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Belo texto de homenagem, Mara. Penninha Júnior ao que parece foi mesmo um ser humano extraordinário. Meus sentimentos.
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