Os dez endereços de Machado de Assis
As casas (ou “a casa”, se for única por toda a vida) em que
habitamos podem (ou não) indicar como é ou como foi nossa trajetória ao longo
do tempo. Raros (raríssimos) terminam seus dias na Terra na mesma habitação em
que nasceram. Não digo que não haja quem tenha essa ventura (ou desventura, sei
lá). Só afirmo, com base na experiência e na observação, que é algo bastante
raro. Há quem se mude com muita freqüência, às vezes até duas ou três vezes em
um ano. Outros tantos permanecem no mesmo lugar por décadas. E no que se refere
a Machado de Assis, em quantas (e quais) casas ele morou? É uma pesquisa
bastante complicada, principalmente porque o Rio de Janeiro (a única cidade que
viveu em seus 69 anos e da qual raramente se afastou, mesmo que a passeio a
outras localidades) sofreu muitas transformações desde a primeira metade do
século XIX até este ano de 2015 do século XXI.
Creio, porém, que da mesma forma que esse aspecto da vida de
Machado de Assis despertou minha curiosidade, desperta, também, a sua, meu
assíduo leitor. Arregacei, pois, as mangas e parti para a pesquisa, enfrentando
obstáculos de toda a sorte, e, curiosamente, não por carência de fontes, mas
pelo excesso. Ocorre que há uma série de controvérsias entre um e outro registro
de biógrafos e pesquisadores, em especial no que se refere à numeração das
respectivas residências. Muitas, comprovadamente, mudaram de número com o
tempo. Outras tantas, porém, mesmo mantidas, são fornecidas de uma forma, por
determinados biógrafos e de outra por outros. Optei pela informação oficial. Pelo
excelente e detalhado relatório da “Coordenação e Proteção” da Prefeitura do
Rio de Janeiro, mais especificamente, da sua “Gerência de Cadastro e Pesquisa”.
Não entrarei em detalhes – são tantos que, sem exagero,
preencheriam um alentado volume, de algumas centenas, quiçá milhares de páginas
– mas me limitarei às conclusões do citado relato. Pelo que pude apurar (e não
juro que minhas informações sejam rigorosamente exatas, embora acredite que
sim), Machado de Assis, em seus 69 anos de vida residiu em nove casas
diferentes, incluindo a que nasceu. A mais “famosa” , por ter originado seu “apelido”
de “Bruxo”, foi a da Rua do Cosme Velho, número 18, onde, inclusive, faleceu.
Nosso maior escritor nasceu no casarão de número 131 da Rua Nova do Livramento,
no morro do mesmo nome. Hoje esse imóvel se transformou em cortiço, degrado e
em ruínas. Considero isso heresia, embora seja até rotina neste país
desmemoriado em que vivemos. Mas...
A casa seguinte, para onde Machado de Assis se mudou, após a
morte da mãe, provavelmente em 1847, foi a de número 48, da Rua São Luiz
Gonzaga, em São Cristóvão. Foi ali que o então adolescente trabalhou como
vendedor ambulante de doces feitos pela madrasta. Foi nesse bairro, também, que
aprendeu francês com o padeiro da padaria de Madame Gallot. A residência
seguinte foi a da Rua Matacavalos (atual Rua Riachuelo), no Centro do Rio, que
dividiu com o amigo Ramos Paz, entre os anos de 1860 e 1861. Não foi possível
apurar a numeração desse imóvel. Pouco importa. O fato é que morou ali, mesmo
que por pouco tempo.
Em 1869, Machado de Assis tornou-se “homem sério”, como se
dizia no seu tempo. Casou-se com Carolina e o casal foi morar no número 119 da
Rua dos Andradas, também no Centro. Permaneceu dois anos ali. Em 1871, o casal
mudou-se para o segundo andar do imóvel situado na Rua Santa Luzia, número 54,
também na zona central da cidade. Morou por três anos nesse local. Quem já fez
mudanças sabe o transtorno que isso dá. Não é fácil e nem tranqüilo mudar todos
os móveis, arquivos, livros etc. de um lugar para outro. Muita coisa se perde,
outras tantas sofrem avarias, e isso sem falar das chateações burocráticas do
aluguel: contrato, fiador etc.etc.etc.
Pois é, em 1874, Machado de Assis e Carolina foram parar na
Rua da Lapa, 94, no bairro do mesmo nome (imóvel que teve, mais tarde, numeração
alterada pela Prefeitura para número 90). Não parou muito ali. O casal residiu
nessa casa por praticamente um ano. Em 1875, mudou-se para a Rua das Laranjeiras,
número 4, no Largo do Machado. Devias ser um inferno essas sucessivas mudanças.
Sequer entro no mérito sobre os motivos disso acontecer com tamanha freqüência.
Machado de Assis e a esposa permaneceram por três anos no imóvel do Largo do
Machado. Em 1878, o casal mudou-se outra vez. Estão contando essas mudanças?
Mas, com todos esses chatérrimos contratempos, o escritor ainda tinha cabeça para
produzir obras e mais obras excepcionais que vencem o tempo e o esquecimento.
Não sei se, no lugar dele, eu teria. Provavelmente, não.
A nova mudança foi para a Rua do Catete, 206, no bairro do
mesmo nome. A esta altura, Machado já
havia crescido muito, não só como escritor, mas na carreira de funcionário
público federal. Era chefe de seção da Diretoria de Agricultura do Ministério dos
Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. E mais: havia sido condecorado
com a comenda de “Cavaleiro da Ordem da Rosa”. Em 1884 mudou-se, finalmente,
para seu “penúltimo endereço: o da Rua Cosme Velho, 18, onde viveu seus
derradeiros vinte e quatro anos. O último (e décimo) foi o definitivo: o
mausoléu do Cemitério São João Batista, para onde seus restos mortais foram
trasladados e permanecem até hoje, quase 107 anos após sua morte (que serão
completados em junho).
Boa leitura.
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Pelo menos no cemitério o deixam quieto. Quando menina eu gostava de me mudar. Não foram tantas casas. Pensarei no assunto e deixarei escrito para facilitar a vida dos meus biógrafos. Não me lembro mais dos números, apenas das ruas. O muda-muda maior foi nos tempos de residência médica em BH, mas....
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