Maluquice de um bando de malucos?
A tradução do livro do obscuro escritor belga Víctor Hénaux,
“Queda que as mulheres têm para os tolos”, deve ter divertido muito o então jovem
“projeto de escritor” Machado de Assis. É o que suponho. Isso mesmo que a
escolha não tenha sido sua (o que acho mais provável). A opção por justamente essa
peça satírica desconhecida, e não por outro texto qualquer, suscita, no mínimo,
algumas especulações que podem, ou não, ter algum fundamento. Comentando, dia
desses, o caso com amigos, foram levantadas várias hipóteses. Um deles, por
exemplo, mostrou-se convencido que foi Machado de Assis que escolheu esse livro
para traduzir. Acrescentou que essa decisão, no seu entender, ocorreu após o
tradutor ter sido “passado para trás” na conquista de uma moçoila específica,
na qual estivesse interessado, mas que teria preferido algum “bonitão” da
época, de boa aparência, mas totalmente “descerebrado”, desses que fazem da
conquista de belas mulheres uma espécie de esporte. Pode ser? Creio que sim.
Isso, claro, se a escolha do livro foi do então “candidato” a escritor. Seria,
no caso, fruto de despeito. Mas seria mesmo?
Outra hipótese é que quem escolheu essa peça para ser
publicada em fascículos na revista “A Marmota” foi seu polêmico proprietário, o
jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito. Alguns biógrafos de Machado de
Assis atribuem (erroneamente) a esse personagem o papel de ter sido o primeiro
a publicar um texto do futuro Bruxo do Cosme Velho em qualquer meio impresso,
no caso, sua revista. Estão equivocados. Esse pioneirismo coube a um
jornalzinho artesanal, chamado (e o próprio nome já define sua “qualidade”) de “Periódico
dos Pobres”, cujo editor não consegui descobrir quem era. Seu texto de estréia literária
foi o soneto dedicado “à ilustríssima senhora D.P.J.A”, publicado em 1854,
assinado como J.M.M.Assis. Não me perguntem quem foi a mulher homenageada. Só
sei que foi uma tal de “Dona Petronilha”. Mas não consegui descobrir qual foi o
título do poema em questão, porquanto desconheço esse detalhe.
Machado de Assis passou a freqüentar a livraria de Paula
Brito no ano seguinte dessa publicação, ou seja, em 1855. Esse jornalista era
um “figuraço”!!!! Não seria incorreto classificá-lo de humanista. Sua livraria
era mais sortida, guardadas as devidas proporções, que muitos mercadinhos de
bairro atuais. Vendia de tudo. Além de vender, naturalmente, livros e revistas,
oferecia, aos potenciais clientes, grande variedade de remédios, de chás de
diversos tipos, e até de fumo de rolo. Mas dispunha de itens insólitos, tais como
porcas e parafusos e como tantas outras quinquilharias úteis (e até inúteis)
que deixo por conta da sua imaginação, caríssimo leitor. Aquele local, digamos,
esquisito servia, ainda, como redação e oficina gráfica que editava e imprimia uma
revista bimestral, que então se chamava “Marmota Fluminense” (e que a partir de
3 de julho passou a chamar-se, apenas, “A Marmota”). Ufa!!! Mas esse lugar
estranho (estranhíssimo) tinha mais motivos ainda para estranhezas. Era, para
complicar, sede da “Sociedade Petalógica”. Uma loucura, como se vê!!!
Mais louca ainda era a natureza dessa “agremiação”. Seu próprio
nome já sugeria seu objetivo, por mais surreal que possa parecer. Afinal, “peta”
quer dizer mentira. Era, pois, ponto de reunião dos notórios mentirosos do Rio
de Janeiro. Querem bizarrice maior?!! A enciclopédia eletrônica Wikipédia
lembra, oportunamente, que Machado de Assis, anos mais tarde, chegou a se
referir a essa sociedade insólita em uma de suas crônicas. Escreveu: "Lá
se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina
da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do
Paraná".
Não sei por que, mas essa “Sociedade Petalógica” lembra-me
muito o “cenáculo” informal que mantive até não faz muito em determinado bar daqui,
de Campinas, em que nos reuníamos, eu e um bando de amigos (quase irmãos), para
discutir literatura, a vida, a política, o futebol etc.etc.etc. e para fazer
fofoca, além de tentarmos, juntos, não raro aos berros, “salvar o mundo”, entre
generosos goles de cerveja, acompanhados de tira-gostos (que ninguém é de
ferro!). Era tão louco quanto a organização (ou desorganização?) de Paula Brito
e seu bando de “mentirosos”, posto que sem sede própria. Pois foi ali, numa
revista sediada, editada e impressa em um local tão maluco, que então já se
chamava simplesmente “A Marmota”, que o livro traduzido por Machado de Assis,
de autoria do obscuríssimo Víctor Hénaux, foi publicado em fascículos. Dá para
levar a sério? Pois é, mas a posteridade até que o levou.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Um lado humorístico insuspeito, pelo menos por mim.
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