Livrai-nos do caos, Amém
* Por
Marcelo Sguassábia
Eu sou criacionista.
Católico, apostólico, romano e criacionista convicto - daqueles dogmáticos, que
acreditam que o mundo foi criado em uma semana mesmo, por mais que os últimos
Papas admitam, eles próprios, que essa história é linguagem figurada. E olha
que não é brincadeira continuar criacionista roxo quando entende-se por mundo o
Universo todo, o que significa uma carga de trabalho que deixaria o Criador sem
tempo nem para uma espiadinha rápida no facebook da época, nos seis árduos dias
de sua empreitada.
Entretanto, assumo que
os argumentos anti-criacionistas são muito sedutores. Especialmente os que
defendem o caos como balizador do Universo.
Pela lei das
probabilidades, a chance de um pobre mortal acertar na Mega Sena fazendo um
joguinho simples é de uma em cinquenta milhões. Se considerarmos a infinitude
do Cosmos, chegamos a quatrilhões, quinquilhões de galáxias. Isso só por aqui,
nos quarteirões celestes mais próximos. Vamos admitir que reunir em um só
planeta todos os acasos possíveis para que se organize a vida, tal qual a
conhecemos, seja o mesmo que ganhar sozinho na dita Mega Sena. Então
concluiremos que alguns mundos perfeitos têm de necessariamente existir, pois,
num conjunto de possibilidades infinitas, é evidente que mundos onde tudo
teoricamente funciona direitinho acabam eclodindo. Da mesma forma que os
imperfeitos - só que estes em número bem maior, pois é muito mais fácil dar
tudo errado do que tudo certo. Fazendo uma comparação para ilustrar: se
jogarmos 20 dados juntos infinitas vezes, em algumas dessas vezes todos os
dados cairão com o número 6 virado pra cima. Seria o nosso caso. Felizmente.
Um amigo, estudioso do
caos e seus desdobramentos, não só defende a teoria como formulou o que
denomina “Gradientes de Fatores Caóticos”.
FATOR CAÓTICO 5
É nessa categoria que
encontramos o maior número de mundos. Tudo é bagunçado e a matéria se aglutina
sem um mínimo ordenamento lógico. São estilhaços do big bang que deram o azar
de não formarem nada que preste ou faça sentido.
FATOR CAÓTICO 4
Nessa classificação se
alinham planetas repletos de achados ainda não catalogados e compreendidos pela
ciência, porém são mundos não tão primitivos quanto os da categoria 5. Com
alguma boa vontade teórica e uns milhões de anos de espera, é razoável supor
que venham a abrigar formas elementares de vida.
FATOR CAÓTICO 3
Sóis sextavados,
camisas com bolsos virados para baixo, espigas de milho com no máximo 3 grãos e
nuvens de enxofre líquido formam algumas das aberrações dos astros desse grupo
intermediário, que luta bravamente contra o rebaixamento.
FATOR CAÓTICO 2
São os mundos “quase
lá”. Aqueles em que faltou um triz, um empurrãozinho do destino pra que tudo se
encaixasse. Encontram-se comumente nessas paragens os narizes com uma narina,
mãos de seis dedos e meio, canetas que vazam sem razão aparente, sapos que
coaxam em decibéis insuportáveis e Woody Allens inteligentíssimos e com piadas
ótimas, mas que às segundas tocam tuba ao invés de clarinete.
FATOR CAÓTICO 1
São os mundos que o
caos fez calhar de serem originalmente perfeitos (isso antes do homem inventar
de interferir e começar a estragar o brinquedinho). Onde a água é H2O e não
H16O, onde a lei da gravidade não deixa os suflês de chuchu planarem acima do
prato e onde há crepúsculos maravilhosos, como os encontráveis em São João da
Boa Vista.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Ah, como era bonito o nosso mundo antes de nós chegarmos, mas por outro lado, a chegada da sua crônica é uma janela de alegria e frescor num dia completamente quente, com sol forte e temperatura em elevação. Lembra-se do "tempo bom"?
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