Acidente nos Apalaches
* Por Daniel Santos
Pelo menos, tinha
o trenzinho para brincar, porque de resto ... De resto, eram expectativas
demais para atender. Queriam-no o mais culto, o mais inteligente, o mais belo,
o mais gordo ... Era de enlouquecer!
Desobedecesse,
vinham as recriminações, o azedume punitivo dos frustrados, fora os urros
raivosos do pai que o exigia à mesa de estudos ao chegar do trabalho, mas o
garoto escapava no seu trenzinho para longe.
Muitas vezes,
depois das aulas, divertia-se a tarde inteira no sótão, mas lá pelas cinco
horas franzia-se de mal-estar: a qualquer momento, o pai chegaria. Corria,
então, aos estudos. Mas, de uma vez, distraiu-se.
Por isso, quase
descarrilou numa curva dos Apalaches. Acelerava, então, com dificuldade nos
trilhos cobertos pela neve que confundia perspectivas, quando ouviu urros de
possante máquina já à porta do sótão.
O menino conhecia
aquela ameaça, tentou frear, mas a porta se abriu e uma locomotiva avançou com
baforadas de fúria. Impossível evitar a
colisão. E o pai desceu o braço com todo o ferro da sua autoridade.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Melhor fugir de trem para os Apalaches. E não voltar nunca mais.
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