A verdadeira musa de Machado de Assis
O relacionamento de Machado de Assis com Carolina Augusta
Xavier de Novaes – considerando namoro, noivado, casamento e vida conjugal de
quase 35 anos – parece um desses romances de folhetim, tão a gosto dos
sonhadores, com começo turbulento, contudo com meio e final felizes. Ou quase,
porquanto a morte da esposa teve efeito arrasador na sempre tão frágil saúde do
escritor, tornando sumamente penosos e amargos seus derradeiros quatro últimos
anos de vida, repletos de dores e de saudades e possivelmente abreviando sua
morte. Foi um relacionamento que tinha tudo para dar errado, e desde o começo,
mas... não deu.
Trata-se de um aspecto da biografia de Machado de Assis que
merece ser abordado em detalhes (o que me proponho a fazer na sequência). Não,
todavia, por eventual mania de bisbilhotar a vida alheia à procura de eventuais
escândalos (que neste caso não houve), mas pela influência que essa companheira
excepcional, carinhosa e culta, sua verdadeira “musa” teve sobre o escritor,
contribuindo (e não ficaria nada surpreso se decisivamente) para que ele fosse
o que foi: gênio das letras, que esbanjou cultura, sensibilidade, competência e
talento. Poucas vezes o clichê que diz que “todo grande homem tem ao seu lado
uma grande mulher” foi tão verdadeiro como neste caso.
Antes de narrar como o casal se conheceu, se casou e viveu
em absoluta harmonia – posto que sem gerar filhos –, peço licença, caríssimo leitor,
para fazer algumas considerações à margem, q eu
considero indispensáveis. A obra poética de Machado de Assis sugere que ele
tenha sido grande amante. São muitas as mulheres às quais dedicou apaixonados
poemas de amor. Todavia, ou estas foram somente idealizadas, frutos de sua
imaginação (o que considero o mais provável), ou, se de fato existiram, eram
paixões meramente platônicas. Duvido que ele haja namorado qualquer uma delas.
Não estou pondo em dúvida sua masculinidade e nem sua
capacidade de conquista, longe disso. Estou sendo, apenas, realista, levando em
conta os costumes da época – a segunda metade do século XIX – quando atingiu a
adolescência e a posterior maturidade. Namoros, naqueles tempos já tão longínquos,
não eram, nem de longe, algo sequer remotamente parecido com os de hoje.
Envolviam todo um “cerimonial”, uma série de obrigações sociais rigorosamente
respeitada por todas as pessoas “de bem”, não importando sua classe.
Não eram raros os casamentos “acertados” pelos respectivos
pais (aliás, eram extremamente comuns, quase regra). O namoro era uma espécie
de período de “observação”, sobretudo do noivo, para que a família (e não
propriamente a noiva) soubesse o que o marido em potencial era, do que gostava,
qual o temperamento que tinha, como se comportava e vai por aí afora. Se os “namorados”
viessem a se apaixonar, tanto melhor para ambos. Este, porém, não era o aspecto
que contava. Amores platônicos, certamente, havia aos montes. Raros, todavia,
eram os que redundavam sequer em namoros, quanto mais em casamentos. Guardadas
as devidas proporções, e sem os exageros de então, as mudanças, nesse aspecto,
são até relativamente recentes. Datam de umas quatro ou cinco décadas, se
tanto.
Esta é a razão de eu apostar que das tantas mulheres que
Machado de Assis homenageou com apaixonados poemas, nenhuma chegou, de fato, a
ser sua namorada. Não passaram de paixões platônicas, naturais da adolescência.
Ou foram, insisto, meramente idealizadas. Havia, óbvio (sempre houve desde
tempos imemoriais) relações extraconjugais, e muitas. Adultérios sequer eram
raros, posto que encobertos (compreensivelmente) sob indevassável manto de segredo.
Quando (ou se) descobertos, causavam monumentais escândalos e às vezes até
sangrentas tragédias. As conseqüências piores, contudo, recaíam invariavelmente
sobre as mulheres. Os moços das classes alta e média tinham, salvo exceções,
iniciação sexual com prostitutas, nos vários prostíbulos existentes na capital
do império, coisa, aliás, que nunca faltou em lugar e em tempo algum. Muitos
tinham essa primeira experiência com escravas da casa (a escravidão,
recorde-se, naquele tempo, ainda era deprimente e vergonhosa realidade).
Não consta, porém, que Machado de Assis tenha sido “apresentado
ao sexo” por qualquer dessas vias (ou outra qualquer, se não o casamento). Se
fosse, não tenham dúvidas, certamente apareceria alguém para relatar tais
aventuras e nos mínimos detalhes (até nos mais escabrosos), dada a projeção que
ele adquiriu, graças ao seu talento e genialidade. Vejam o caso, por exemplo,
de Victor Hugo, na França, praticamente seu contemporâneo, cujos casos
extraconjugais com coristas e costureirinhas de Paris foram escancarados e
detalhados até por seus biógrafos mais sóbrios. Tudo isso leva-me à conclusão
que Carolina foi não só o grande amor da vida de Machado de Assis, se não o “único”.
Consta que, certa feita, os amigos desconfiaram que o “Bruxo
do Cosme Velho” estava traindo a mulher, com furtivas escapadas, que pareciam bastante
suspeitas. No afã de salvar seu casamento, caso as desconfianças se
confirmassem, resolveram segui-lo. Sabem o que descobriram? Que Machado de
Assis ia, todas as tardes, avistar, sim, uma bela moça. Todavia, esta não era
de carne e osso. Era a retratada no quadro “A dama do livro”, do pintor Roberto
Fontana. A descoberta seguinte foi que o escritor não tinha dinheiro para
comprar esse quadro que tanto o fascinava. O que fizeram? Para evitar novas
suspeitas – como as que tiveram – e ao
mesmo tempo para homenagear o amigo, adquiriram a referida pintura e deram-na
de presente ao autor de “Dom Casmurro”. A felicidade de Machado de Assis foi
inenarrável. “A dama do livro”, pelo que consta, foi a única mulher com quem o
escritor “traiu” Carolina. E era só personagem de uma pintura...
Boa leitura.
O Editor.
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Pode ser que tenha sido assim de fato.
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