Trilha sonora de uma revolução
O rock impôs-se, fixou-se e se consolidou na preferência da
juventude dos anos 50 como uma espécie de “trilha musical” de todo um processo
de transformação de costumes, que havia começado, destaque-se, pouco antes do
grande público conhecê-lo e se apaixonar por ele. Tornou-se símbolo de uma
revolução sem armas e nem barricadas, mas que gerou efeitos. O ritmo
trepidante, o som estridente da guitarra e, sobretudo, a dança frenética a que o
novo estilo musical induzia, refletia bem o espírito de rebeldia, os anseios de
renovação geral de toda uma geração que se via aturdida face às incertezas do
futuro e que “amadureceu”, ou tentava amadurecer, nos complicados anos imediatamente
posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial.
O rock apenas foi uma parte das tantas mudanças
comportamentais, bastante rápidas, boa parte, aliás, ditadas pelo cinema, que
se refletiram na moda, na forma de se apresentar, de falar, de amar, de se
relacionar etc.etc.etc. dos jovens. E exacerbou o conflito de gerações, que
ademais sempre existiu, mas que nessa época atingiu o auge. Um ano antes da estréia
do filme “Blackboard Jungle” – em cuja trilha musical destacava-se a composição
“Rock Around the Clock”, de Bill Halley, interpretada por ele e por sua banda, “The
Comets”, considerada, oficialmente, por muitos historiadores, como o marco
inicial do rock – Hollywood havia lançado uma produção, dirigida por Elia
Kazan, aparentemente comum, como tantas outras, mas que se tornou uma espécie
de ícone desse período. Foi o “Sindicato dos ladrões” (título com que foi
exibido aqui no Brasil).
Esse filme, porém, exacerbou o espírito de rebeldia já
latente no espírito dos chamados “baby booms”. Tratava-se, frise-se, de um
drama policial aparentemente comum, como tantos e tantos outros similares
levados às telas, antes e depois, pelos estúdios da “capital do cinema”. E por
que essa produção específica teve tanta influência sobre a juventude? O que
tinha de tão especial? Bem, não foi propriamente pelo enredo, uma história até
trivial de gangsters disputando território nos cais de Nova York, que a levou a
fazer o sucesso que fez. Foi por causa do personagem interpretado por Marlon
Brando. Tratava-se do protótipo do jovem rebelde, anseio de muitos adolescentes
insatisfeitos com a forma como eram tratados pelos mais velhos. Subitamente, os gestos, os trajes, a forma de falar e de se
comportar desse personagem passaram a ser copiados por milhões e milhões de rapazes,
não só nos Estados Unidos, mas em várias partes do mundo (inclusive no Brasil).
Praticamente dois meses antes da estréia de “Blackboard
Jungle”, outro filme viria a mexer mais ainda com a imaginação, já delirante,
da juventude. Refiro-me a “Rebel without a cause”, dirigido por Nicholas Ray,
lançado nos Estados Unidos em 27 de janeiro de 1955. Essa produção fez ainda maior furor do que “Sindicato
de ladrões”. E, igualmente, por causa de determinado personagem, interpretado por
um ator que, mais do que Marlon Brando, passou a simbolizar o verdadeiro
espírito de rebeldia que pairava no ar. O título norte-americano (que,
traduzido, queria dizer “Rebelde sem causa”), foi muito mais apropriado do que
como essa produção ficou conhecida no Brasil, ou seja, “Juventude transviada”.
Seu protagonista, James Dean (cujo nome de batismo era Jim
Stark) passou a ser imitado por milhões. Esse ator era, digamos, rematado “encrenqueiro”
(dentro e fora das telas), fazendo tudo o que os adultos (pais, avós,
professores etc.etc.etc.) coibiam, ou tentavam coibir, para seus filhos, netos,
alunos e vai por aí afora, rapazes que mal haviam entrado na fase de
adolescência (sem medir riscos e conseqüências). Tanto é que, nesse mesmo ano
de 1955, em 30 de setembro, envolveu-se em um acidente automobilístico, em
Cholame, na Califórnia, quando se dirigia, justamente, para uma corrida de
automóveis, o que lhe custou a vida. O filme “Juventude transviada” foi exibido
em São Paulo no ano seguinte do seu lançamento nos EUA, em 1956. Foi um arraso!
Não tardou para que fossem vistos nas ruas, nos colégios etc.etc.etc., enfim,
nos pontos de encontro de rapazes e moças da cidade, garotões com espinhas no
rosto imitando trajes, penteado, gestos, expressões e comportamentos suscitados
por James Dean.
A moda “pra frente” (como se dizia, então) era a de blusões,
geralmente vermelhos, amarrados na cintura, como se fossem aventais. Eram
cabelos cheios, bem assentados com farta brilhantina, com algumas mechas caindo
na testa, como os de Elvis Presley ou de Marlon Brando. Ou cortados à moda
escovinha, como os de James Dean. Os gestos desses atores (e, sobretudo, do
cantor que logo seria elevado à condição de “rei do rock”), suas atitudes e
expressões, eram todos copiados à perfeição, ou então caricaturados, para
irritação e desespero dos mais velhos. E tudo tendo como trilha musical o novo
ritmo, com sua frenética dança, cujos discos vendiam aos milhões. Embora
existisse no mercado grande quantidade
de versões, sua venda era relativamente pequena. O público jovem optava, mesmo,
pelos originais norte-americanos.
O comportamento da juventude brasileira, naquela segunda
metade da década de 50 do século XX, seguia a tendência dos Estados Unidos e se
modificava radicalmente, apesar da ferrenha oposição dos conservadores. Um juiz
paulistano chegou, mesmo, a propor que se proibisse o rock, sobretudo sua
dança, “em nome da moral pública e dos bons costumes”. Os jovens de hoje, ao
lerem estas considerações, certamente acharão que estou exagerando, carregando
nas tintas. Podem duvidar, sobretudo, que a oposição ao novo ritmo e aos novos
modismos suscitados por ele, não tenha sido tão radical como narrei. Mas foi!
Aliás, foi até pior. Eu vivi aqueles momentos. Ninguém me contou. Fui
adolescente justamente nessa época.
Para quem duvidar da veracidade desse meu precário testemunho
proponho que consulte os jornais da época na biblioteca de sua cidade. Os
jovens que então aderiam a esse comportamento (e não eram todos, diga-se de
passagem), passaram a ser rotulados de “playboys”. Mas com conotações
nitidamente pejorativas. Na cabeça dos adolescentes de então, todavia, essa
designação era distintiva de rebeldia e eles a assumiam sem nenhum pudor ou
constrangimento. Hoje, esses “rebeldes sem causa” são cidadãos comportados, com
idades na casa dos setenta anos ou mais (refiro-me, óbvio, aos remanescentes,
aos que sobrevivem ao tempo). Todos (salvo uma ou outra exceção), cumpriram
seus respectivos papeis na vida. Têm netos, quando não bisnetos, que por sua
vez consideram tudo isso já um tanto antiquado. E o rock sofreu inúmeras transformações
e dividiu-se em dezenas de estilos e tendências pelo mundo afora. A moda, o
linguajar e tudo o mais se modificaram bastante com o tempo, como seria de se
esperar. Restou, para quem viveu tão intensamente aquele período, somente a
saudade e... uma certa nostalgia. Mas...
Boa leitura.
O Editor.
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Mas...amanhã tem mais.
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