Silêncio do constrangimento
* Por
Pedro J. Bondaczuk
O silêncio é, em muitas e muitas
situações da vida, a melhor atitude que podemos adotar diante de determinadas
circunstâncias. Por exemplo, quando estamos em uma roda de amigos e é
levantado, em conversa, um tema do qual tenhamos pouco conhecimento (quando não
nenhum), manda a prudência que nos mantenhamos de boca fechada, para não
cairmos em ridículo. Nem
sempre agimos assim e não podemos reclamar quando pagamos o preço por nossa
tagarelice.
Calado, o mais estúpido dos mortais
pode, até, se passar por sábio. Todavia, a recíproca é verdadeira. Ou seja,
falando demais, até mesmo o mais douto dos doutos, reconhecido como gênio,
caracterizado por profunda sabedoria, corre o risco de dar seus escorregões e passar,
diante dos outros, por rematado idiota.
Há situações, porém, em que calar
reflete ou omissão, ou covardia, quando não ambos. É o caso de termos ciência
de alguma injustiça sendo cometida (e, convenhamos, sequer precisamos procurar
para encontrar algum caso desse tipo) e nos mantermos calados, por medo ou por
não querermos nos envolver na questão. Nesses casos, o silencio, óbvio, deixa
de ser virtude e depõe enfaticamente contra nós.
Por outro lado, há ocasiões (e muitas)
em que nos confrontamos com pessoas tão ignorantes, e além disso tão
agressivas, que nos forçamos a nos calar diante do que dizem, mesmo que o teor
de suas declarações seja, nitidamente, de despautérios e, não raro, a respeito
de temas dos quais somos especialistas.
E por que nos calamos e não nos impomos
como conhecedores do assunto? Por medo? Por mera covardia? Não! Por
constrangimento! Percebemos a inutilidade de falarmos qualquer coisa, que será,
certamente, rebatida não com argumentos, mas com atitudes agressivas do infeliz
interlocutor. Procuro evitar, quando posso, pessoas desse tipo.
Refiro-me, neste caso, a duas das
acepções constantes no dicionário para a palavra “constrangimento” (existem
várias outras): coação e embaraço. Sentimo-nos coagidos pelo interlocutor, que
busca se impor mediante atitudes violentas (não necessariamente de desforço
físico), como tom de voz, gestos, olhar etc. É essa atitude que nos causa
embaraço, nos deixa sem ação, nos paralisa até e diante da qual sequer sabemos
o que dizer. Trata-se de situação muito mais comum do que pensamos.
Aliás, é por não saberem se calar em
circunstâncias como esta que muitas pessoas acabam fazendo bobagem, tomando
atitudes das quais se arrependem, invariavelmente, muitas vezes, contudo, muito
tarde. Quantas discussões bestas, às vezes por causa de times de futebol, não
poderiam ser evitadas, se um dos protagonistas tivesse a humildade, ou a
prudência, de se calar? Não raro esses bate-bocas descambam para a violência
física, quando não para assassinatos. Esta é uma armadilha que, não raro,
enreda pessoas até pacatas, cujo ato extremo surpreende parentes, amigos e
conhecidos.
Não gosto de constranger ninguém e nem
admito que me constranjam. Mas já fiquei constrangido por falar demais. O
engraçado é que, naquele tipo de circunstância, o constrangimento é mais comum
em quem ouve do que em quem fala. O fato ocorreu há uns trinta anos, quando fui
contratado como editor de determinado jornal (cujo nome prefiro omitir para não
me sentir constrangido diante de você, paciente leitor), no qual todos os
companheiros de trabalho, sem exceção, me eram estranhos (fato raro em minha
carreira).
Ao tentar estabelecer amizade com
alguns colegas, estes recomendaram-me, de forma bastante especial, que tomasse
“cuidado com o Alípio”, tido e havido como um “leva e traz” da redação. E
contaram-me poucas e boas a respeito desse funcionário.
Eu, em vez de guardar a “informação”
apenas para mim, não consegui segurar a língua dentro da boca. Puxei conversa
com a primeira pessoa que encontrei na redação. Falamos da empresa, da minha
nova função, dos lugares em que eu havia trabalhado etc.etc.etc. Em determinado
momento, o papo descambou para os colegas de redação. E, sem essa ou mais
aquela, eu logo sapequei, na bucha: “Fui instruído a tomar cuidado com o
Alípio, um pilantra leva e traz”. E continuei tagarelando, desfiando para o meu
interlocutor todas as fofocas que havia ouvido a respeito do supostamente
perigoso novo companheiro de trabalho. O sujeito à minha frente, só ouvia. Não
fez nenhuma observação, nem de anuência e nem de discordância.
Em dado momento, perguntei-lhe o nome.
E ele respondeu, com a maior serenidade: “Alípio, ao seu dispor”. Nem preciso
descrever o tamanho do meu constrangimento, não é verdade? Não sabia onde
enfiar a cara. Gaguejei qualquer coisa (que nem lembro o que foi) e afastei-me
de imediato, de mansinho, para o meu canto, totalmente desconsertado. Por
ironia, o Alípio acabou sendo o melhor amigo que tive nos anos em que trabalhei
naquela empresa. Poderia não ter sido.
Quanto a pessoas ignorantes, que nos
constrangem com palavras e gestos, mesmo fazendo força para evitá-las, há
ocasiões em que os encontros com elas são inevitáveis. E o constrangimento que
elas nos causam provoca reações até físicas, diante do tom de voz, da postura
tensa e ameaçadora etc.etc.etc. do interlocutor.
Fica-nos uma sensação até mais
desagradável do que a causada pelo medo. O editor alemão, R. Kempf, fez a
seguinte observação a respeito: “Não falar, não é apenas calar. O silêncio do
constrangimento marca uma sujeição seja à voz do outro, seja às forças do corpo
emocionado”. Fuja de gente assim! Mas não aja como eu: analise, sempre, o que,
como e para quem você vai dizer o que quer que seja. E se tiver qualquer
dúvida, por mínima que seja, já sabe de antemão o que fazer: cale-se!!!
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
É muito bom podermos falar tudo o que pensamos. Verdadeiro privilégio. Quando é preciso medir cada palavra, amizade e relacionamento não avançam. Muito provavelmente acabam.
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