Rock se impõe a despeito de oposição
O rock tardou a se impor e se popularizar, primeiro nos Estados
Unidos e, posteriormente, no resto do mundo, pela forte oposição que enfrentou
por muitos anos, motivada, principalmente, pelo preconceito racial. Afinal, era
um ritmo confundido com duas de suas principais vertentes – o blues e o rhytm
and blues – características de artistas negros. Recorde-se que nos anos 50 do
século XX os conflitos raciais, na terra de Tio Sam, eram tão ou mais agudos
que na África do Sul, com sua política segregacionista do “apartheid”. Estes
apenas foram atenuados em meados dos anos 60, com a política integracionista
iniciada pelo presidente John F. Kennedy. Sabe-se que jovens brancos, da classe
média norte-americana, adquiriam “secretamente” gravações de rock. Afinal, para
eles, essa música exótica e tão animada não lembrava em nada as manifestações
musicais negras. As letras, por exemplo, eram alegres e tratavam de amor e de
erotismo, sem os lamentos, portanto, dos blues, que no próprio nome já sugere
tristeza, melancolia e sofrimento. O ritmo era frenético, contagiante e
convidativo à dança.
O rock, todavia, era ferozmente combatido pelos adultos, que
o consideravam foco de perdição para a juventude, por, no entender deles,
sugerir liberdade sexual e rebeldia em relação aos “bons costumes”. E isso
ocorria não apenas nos Estados Unidos, mas em várias outras partes do mundo. O
novo ritmo chegou ao Brasil no início da minha adolescência, lá pelos idos de
1956. Lembro-me bem da oposição dos mais velhos a ele, alegando tratar-se de
símbolo da imoralidade e da “corrupção dos costumes”. O filme “Blackboard
Jungle”, cuja trilha sonora incluía o “Rock Around the Clock”, interpretada por
Bill Halley e The Comets, por exemplo, chegou a ser proibido pelo então
governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, que o considerava “moralmente
pernicioso”.
Nos Estados Unidos, foram inúmeros os artigos, nos
principais jornais e revistas do país, dos tais “formadores de opinião”,
condenando o rock e os novos costumes por ele ditados. Para não parecerem,
excessivamente conservadores (que de fato eram) e muito menos preconceituosos,
argumentavam que o ritmo era, musicalmente, pobre. Muitos e muitos – e tenho
comigo, em meu arquivo, alguns desses textos para comprovar – garantiam, de
forma pedante e arrogante, que se tratava de mero modismo, portanto de vida
efêmera, que logo seria deixado de lado, assim surgisse algo que o substituísse.
Obviamente, se enganaram. Gostaria de saber – caso estejam ainda vivos – o que
esses articulistas achariam hoje dessas opiniões tão “furadas” e infelizes que
emitiram, e por escrito. Provavelmente, negariam a autoria.
Entendo que, mais importante do que a produção
cinematográfica “Blackboard Jungle”, em cuja trilha sonora constava o “Rock
Around the Clock”, o rádio foi o verdadeiro responsável pelo sucesso do novo
ritmo. Os programadores, sabe-se lá por qual razão (provavelmente por gosto
pessoal), incluíam, em sua programação musical, esse estilo tão frenético e
dançante. Foram eles que influenciaram milhões de jovens brancos a comprarem,, “escondidos”,
os discos dessa música tida e havida como sendo dos “negros”, mas que mexia
tanto com eles. E, afinal, o produtor Richard Brooks decidiu incluir a
composição de Bill Halley no filme que produziu e dirigiu após ouvir a gravação
no rádio de seu carro. Justiça, portanto, seja feita. Aliás, tratou-se de algo
de mútuo benefício. Explico.
Nos Estados Unidos, a televisão ganhava, cada vez mais,
espaço, ameaçando “matar” o rádio, que já vinha atravessando crise e sendo
considerado por muitos como “obsoleto”. Precisava, pois, de novidades, de
coisas que a TV não mostrava, para justificar sua existência e não perder
anunciantes, o que, se acontecesse, seria seu fim. E o rock foi uma dessas
coisas “novas” que esse veículo (hoje mais vivo do que nunca) apresentou, até
exaustivamente, aos ouvintes. Foi, pois, uma aposta coroada de total êxito. No
Brasil a coisa não chegava a tanto. A televisão ainda “engatinhava” por aqui,
pois quando o rock apareceu entre nós, tinha apenas seis anos de existência. Só
uns pouquíssimos privilegiados podiam despender a relativamente elevada quantia
de dinheiro para adquirir um aparelho receptor de TV, o que erra, portanto,
raríssimo.
Ademais, não valia a pena fazer esse investimento. As opções
oferecidas eram escassas e pífias por parte dos três canais que então existiam
em São Paulo (Tupi, Record e Paulista, que mais tarde se transformaria na Globo
paulistana). Havia um punhado de filmes velhos e mal legendados e uma infinidade
de programas feitos na base da pura improvisação, muitos deles chatíssimos e
até sem sentido. As transmissões não eram contínuas. Começavam às 15 horas e
encerravam-se por volta das 23. E eram apenas locais (no caso em tela, da
cidade de São Paulo). Os sucessos, aqui no Brasil, no ano em que o rock começou
a despontar e se impor em todo o mundo, eram feitos e desfeitos pelo rádio,
este sim veículo de imensa penetração popular.
Ao contrário, todavia, do que ocorria nos Estados Unidos,
nossos programadores tinham certa prevenção em programar composições desse novo
ritmo. Era ousadia demais para eles, diante da feroz oposição dos meios mais
conservadores da sociedade (que no Brasil sempre teve, e ainda tem essa
característica). Um ou outro ousava introduzir alguma gravação de astros que
despontavam no cenário internacional, não sem antes tecerem contundentes críticas
a propósito. Ninguém me falou disso. Eu testemunhei o que afirmo. Vivi isso e
faço questão de registrar. Foi no início, reitero, da minha adolescência. O
cantor, geralmente programado, era o que não tardaria a ser considerado “rei do
rock” (e o é até hoje, décadas após sua morte, até mais do que isso, um mito),
ou seja, Elvis Presley. Seus sucessos apareciam, meio que perdidos, em nossas
paradas, em meio aos hits de Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto,
Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Roberto Luna, Morgana e Lana Bittencourt, entre
tantos outros. Bem, é verdade que se tratava de tempo em que nossa cultura era,
pelo menos, valorizada. Já hoje... Deixa pra lá!!
Todavia na imprensa, as discussões rolavam soltas (a exemplo
do que ocorria nos Estados Unidos). Educadores viam no rock, que começava a se
popularizar também entre nós, péssima influência para a juventude. Cansei de
ouvir vários dos meus professores de então fazerem intermináveis sermões
condenatórios a propósito. Médicos, por sua vez, garantiam que as contorções
dessa dança frenética e trepidante causavam artroses e outros comprometimentos
na coluna e nas articulações, além dos músculos. Advertiam que poderiam
provocar, em casos extremos, até irreversíveis paralisias. E as velhas
senhoras, do alto de sua sabedoria, supostamente ditada pela experiência,
sentenciavam: “É coisa do demônio!!! Onde já se viu moças e rapazes se
agarrarem e se contorcerem dessa forma?!!”. Ora, ora, ora...
Boa leitura.
O Editor.
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A minha certidão de nascimento bate com a do rock: 1955. Faço 60 anos neste ano. Não sofri a influência de Elvis Presley, mas fui louca com a Jovem Guarda, lá pelos meus 11 anos, em 1966, quando Roberto Carlos esteve em Montes Claros pela 1ª vez. The Beatles e Raul Seixas, vim a "conhecer" através do meu filho, nascido em 1984. Por essa época o país foi invadido por uma centena de "bandas" que tocavam rock, e eu gostava muito. Viva o rock!
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