Onde mora o perigo...
“A ciência fez de nós deuses antes mesmo de merecermos ser
homens”. Essa afirmação é do filósofo e historiador francês, Jean Rostand, que,
como tantos e tantos pensadores do seu tempo (e do nosso) preocupava-se com a
aplicação das mais relevantes descobertas científicas exclusivamente para
construir um mundo melhor, como seria de se esperar, e tornar a vida das pessoas
mais amena ou menos árdua. Vários dos segredos da natureza, desvendados por
hábeis pesquisadores, todavia, são terríveis ameaças, inclusive à sobrevivência
da espécie, quando usados sem critério e sem juízo. Exemplo? A energia nuclear.
Caso o fantástico potencial energético contido no simples núcleo
de um átomo seja usado, única e exclusivamente, para mover máquinas e iluminar
cidades, é capaz de resolver, adotadas as devidas cautelas, de uma vez por
todas, o problema de energia, cada vez mais necessária, posto que as fontes
mais utilizadas atualmente sejam escassas e finitas. Ocorre que seu uso não se
restringe a esse aspecto. Estão aí as armas nucleares, com potencial destrutivo
absolutamente catastrófico e em quantidades fantasticamente exageradas. Uma só
dessas bombas pode destruir países inteiros e lançar a humanidade,
literalmente, na idade das trevas. Sabe-se, porém, que os arsenais das
potências atômicas tem poder destrutivo tamanho que, se explodidas
simultaneamente, podem destruir mais de uma centena de planetas Terra!!! Ora,
destruída uma, não haverá outras noventa e nove para serem aniquiladas. E não
se trata de fantasia. É a mais inquietante e pavorosa realidade.
Os detentores desses absurdos arsenais asseguram que sua existência
tem caráter meramente “dissuasório”. Ou seja, que nenhum país os atacará
sabendo que possuem esse absurdamente invencível meio de “defesa”. Defesa? Só
mesmo na cabeça desses malucos que detêm poder político, com a complacência e
alienação dos que lhes delegaram essa posição. Quem pode garantir que essas
bombas nunca serão usadas? Afinal, duas delas, e de potência ínfima comparadas
com as de hoje, já foram utilizadas para destruir, em minutos, as cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki!!! Houve, portanto, um precedente Ademais, quem é capaz de assegurar que jamais
venha a ocorrer alguma explosão acidental? Ou que alguma dessas bombas não
caia, por uma dessas desgraças impensáveis, mas não impossíveis, em mãos de
algum grupo terrorista, de indivíduos tão fanatizados que sua última preocupação
é com a vida alheia e inclusive com a própria? Claro que não há garantia
alguma. E sequer citei acidentes na utilização da energia nuclear para fins
pacíficos, como ocorreu com as usinas de Three Mile Island, nos EUA, em 1979;
Fukushima, no Japão, em 2011 e, principalmente, Chernobyll, na Ucrânia, em
1986. Antes, portanto, a ciência sequer descobrisse esse segredo da natureza.
E o que dizer das armas bacteriológicas? Como classificar a
ação de determinados pesquisadores que, em vez de conhecerem os segredos dos
vírus e bactérias para eliminá-los e erradicar doenças que nos ameaçam há
milênios, fortalecem-nos e os transformam em equipamentos de guerra? Há
descobertas e mais descobertas científicas que, se empregadas com juízo e
construtivamente, tendem a tornar nossas vidas muito mais longas, seguras e
agradáveis. Todavia, se mal utilizadas... podem tornar este planeta estéril,
vazio e inabitável. Não sou e nem poderia ser contrário aos avanços
científicos. Só entendo que as descobertas têm que vir acompanhadas da devida
cautela, ditada pela ética. Infelizmente, nem sempre são.
A afirmação de Jean Rostand, embora soe, a muitos, como mera
retórica, como simples frase de efeito, não é. É a pura expressão da verdade. “A
ciência fez de nós deuses antes mesmo de merecermos ser homens”. E não fez? E
ele pôde afirmar o que afirmou com pleno conhecimento de causa. Afinal, além de
filósofo e de historiador, foi, também, ilustre biólogo> Portanto, foi um
cientista; O dramaturgo irlandês, ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura,
George Bernard Shaw, afirmou: “A ciência nunca resolve um problema sem criar
pelo menos outros dez”. Embora sua afirmação tenha o defeito da generalização,
não deixa de conter certo fundo de verdade. Talvez uma determinada descoberta
científica, que solucione problema específico, não crie outros dez, como ele
afirmou. Em alguns casos, contudo, pode gerar muito mais do que só uma dezena.
Como pode, também, não produzir nenhum.
Estas ligeiras considerações, observo, não são manifestações
de pessimismo, como pode parecer aos desavisados. São frutos de observação da
realidade, como compete a qualquer escritor que acredite num futuro melhor e
que, por isso, não seja alienado. Não se pode fazer da ciência uma espécie de “caixa
de Pandora” que, se aberta, libere todos os males que existem. Mas, para que
isso aconteça, é preciso que o conhecimento ande de mãos dadas com a sabedoria.
Que o homem não se sinta o deus, que não é, e que cultive o que deveria
caracterizá-lo: “a humanidade”, fundamentada na razão. Até porque, como
observou Isaac Asimov – gênio tanto como escritor, quanto por se tratar de um
dos mais lúcidos cientistas do século XX: “O aspecto mais triste da vida de
hoje é que a ciência ganha em conhecimento mais rapidamente que a sociedade em
sabedoria”. É aí que mora o perigo.
Boa leitura.
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Somos sim, uns quadrúpedes, ainda que isso ofenda os animais.
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