sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Destino

* Por Rodrigo Ramazzini


A música cantada por Renato Russo entrava pela janela do seu quarto, ecoada da casa do vizinho. Deitado em sua cama, de olhos fechados, Thiego dedilhava as notas no velho violão e cantava baixinho. Sonhava, na adolescência, em virar cantor, ou mesmo violonista de alguma banda ou de outro intérprete, mas por diversos motivos, a vida o levara por outros ventos, e o sonho não se concretizou. Cantava recordando de Paola, sua namorada. Lágrimas escorriam pelas maçãs do rosto.

Era uma semana difícil para Thiego, havia brigado com Paola, com a qual morava há dois anos. Ela o acusara de traição, com uma das suas colegas do setor de informática de uma grande empresa de cobranças. Era verdade que as colegas o “xavecavam” diariamente, porém, Thiego nunca caíra na tentação, pois acreditava ser Paola o amor da sua vida.

Terminada a música Hoje a noite não tem luar, da Legião Urbana, vinda do som do vizinho, o seu celular toca. Era Paola. Ele não atende. Precisa de mais um tempo para refletir antes de falar com ela. Com o telefone ainda tocando, levanta-se da cama, escora o violão na parede, e vai tomar um banho para dar uma volta.

Sentado em um bar, próximo à sua casa, Thiego toma uma gelada cerveja, enquanto pensa no seu relacionamento. No simples palco montado, uma mulher de voz doce, cabelos encaracolados, canta Gentileza, da Marisa Monte. Essa briga com Paola o fez questionar os seus verdadeiros sentimentos por ela. Os defeitos de Paola, que até então pareciam encoberto por essa “aura de amor”, foram lhe ficando evidentes. E usando a razão, concluiu que Paola não era o tipo de mulher que ele desejava ter ao seu lado pelo resto da vida. Não era o estilo de mulher imaginada como “ideal” na adolescência.

Descontraído pela quantidade de cerveja ingerida Thiego começa a solicitar músicas à bela cantora, chamada Sanny, e até esquece que havia saído para decidir o futuro do seu relacionamento. Os gostos musicais de Thiego e Sanny são idênticos. Uma amizade nasce. Vão até embora juntos.

Os sentimentos são muito mais fortes que a razão. Uma semana depois da briga, Thiego e Paola voltam a compartilhar o mesmo teto e começam a freqüentar, quase diariamente, o bar onde Sanny canta. Paola e Sanny viram amicíssimas. Não fazem mais nada uma sem a outra.

À medida que a vai conhecendo, uma chama interior, que até então parecia apagada, é despertada em Thiego. As conversas com Sanny o empolgam. “Pensamos a vida da mesma maneira! Como somos parecidos!”, eram as frases que mais repetia. Encantado estava pela morena de cabelos encaracolados.

As brigas com Paola voltaram a ser como antes, constantes. Suas crises de ciúmes já estavam beirando a insanidade. O estranho que ela não mantinha tal sentimento com Sanny. Com o passar dos dias, Thiego confirmava que começara a ver realmente como Paola era apenas após a breve separação. Não sabia mais se a amava, porém, com certeza, mantinha um sentimento de gratidão, pois, quando Paola entrou em sua vida, ele estava no “fundo do poço”.

Na época, havia perdido o emprego, morava de favor na casa de uma tia, na qual não mantinha um bom relacionamento, e ela o acolheu em seu apartamento, deu-lhe amor e carinho, em um período em que todos o abandonaram.

Pensava neste sentimento, sentado, sozinho, entre um copo e outro de cerveja, no “bar da Sanny”, após mais uma discussão com Paola. Ela estava lá. Cantava lindamente e, ao vê-lo, abriu um encantador sorriso.

Thiego esperou Sanny até o bar fechar. Era uma sexta-feira, e não precisava trabalhar no dia seguinte. Thiego gostava da noite. Comentava isso novamente, já sem a tensão proporcionada pela nova briga com Paola, no caminho até a casa de Sanny. Conversar com ela confortava-o interiormente. Foi então que ela, empurrando-o contra a parede de um prédio, olhando-o firmemente, declarou-se: “Thiego, estou apaixonada por você!”.

Durante esses meses de convivência com Sanny, Thiego nada havia notado, apesar de toda a afinidade. Como ela também havia despertado algo nele, achava que todos os atos de Sanny eram pura amizade, pois queria acreditar assim, para não criar nada em sua cabeça.

Um legítimo triângulo amoroso formou-se. Sanny e Thiego sempre davam um jeito de encontra-se. Por incrível que pareça, a relação de Thiego e Paola melhorou após a traição. Apesar de tudo, Sanny e Paola continuavam amigas.

Três meses desta situação já haviam passado. A confusão mental que Thiego se encontrava o levava a longos períodos de reflexão. Sentimentos embaralhavam, estavam prontos a eclodir dentro dele. E foi em um desses momentos que o telefone tocou. Era Sanny. Ligava de Santa Catarina. Havia recebido um ótimo convite para cantar em um Bar de Florianópolis, aceitara, viajando no mesmo dia.

Não foi apenas o fato de ficar distante da sua amante que o perturbou. O que realmente mexeu com ele foi o convite feito, com a sua voz doce: “Vem pra cá comigo. Vem tocar violão pra mim”. E completou: “Eu sei que você está me amando”. Thiego pediu dois dias para decidir.

O último boletim médico divulgado informa que o quadro do único sobrevivente do grave acidente envolvendo um ônibus e um caminhão, na BR-101, era estável, devendo receber alta em cinco dias. As pessoas entram e saem das nossas vidas muitas vezes sem explicação. Isso acontece para que possamos corrigir os nossos destinos?

O ônibus tinha o destino de Santa Catarina, e o paciente, que está sob cuidados de uma enfermeira “particular”, chamada Sanny, era Thiego.

* Jornalista e cronista

Nenhum comentário:

Postar um comentário