quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Estar na moda está na moda


* Por Mara Narciso

Em definitivo, não ter a menor idéia sobre o que está sendo usado sobre o corpo é estar por fora de tudo. O dinamismo das mudanças deixa os aficionados ainda mais neuróticos do que os investidores da Bolsa de Valores. No tempo da hiperinflação havia uma coisa chamada overnight, na qual, no ritmo do tic-tac do relógio os números referentes ao preço de venda de certo produto mudavam de instante em instante. O galope era outro, e não era engraçado.

Os quadros de moda anunciados em jornais, revistas, TVs e blogs, as vitrines em verdadeiro frisson quando chega o verão, as frequentes liquidações de toda quinzena mostram uma realidade acelerada em termos de moda descartável, do tipo que passa voando. A internet faz o estilo que passa de raspão ser ainda mais descartável, pois um vídeo postado de manhã, ao meio dia pode ainda estar sendo curtido. Que povo ultrapassado! Ainda não viu isso daí?

Repetir roupa em festa ficou ainda mais constrangedor devido às montanhas de fotos postadas. Quem vai ter coragem de ir ao outro casamento ostentando essa coisa já mil vezes curtida? Nem que fosse couro bovino para passar por esse processo de conservação. Roupas caras, chamativas, deslumbrantes então, ficam mais vistas que as das atrizes do Oscar, quando atravessam o tapete. A novidade não dura um segundo, talvez décimos, apenas o tempo de um avistamento, algo como contatos imediatos do terceiro grau, e em vez de moda de uma estação, passa-se a disputar frações de segundo como nas provas olímpicas.

Bolsas, sapatos, acessórios, cores, riscam o céu da vaidade na velocidade de um raio. O que será duradouro? Ainda existirão os clássicos? A padronagem é linda, original, marcante, mas tão rápida quanto um tsunami. Sem pensar nos anexos. E de imaginar que em tempos outros se tinha uma peça coringa que entrava em várias toilettes?  Refiro-me às tias e à minha mãe, pois nunca soube nada sobre isso, por burrice, incapacidade, desinteresse, ou parafuso a menos, além de falta de numerário, obviamente. Ainda assim, admiro o chique, o elegante, o único, o exclusivo, aquela roupa que só combina com um alguém. Por incoerência, fico de olho no grupo conhecido como “As Poderosas”, do qual uma minha tia faz parte.

Saindo das roupas e indo para as casas, ainda hoje coloquei sobre a mesa de jantar um caminho de mesa. Pensei: há anos vejo falar que não se usa mais esse tipo de artefato. Ficou out, antigo, démodé, para usar palavras tão velhas quanto essa moda. E outra coisa, ninguém deste mundo sabe o que vem a ser calça com vinco. Quanto ao formato dos móveis, tudo reto, e depois de amanhã tudo redondo. Hoje, tudo peça grande, mas logo, logo tudo pequeno. As cores são decididas por um grupinho de meia dúzia, pois em todo canto só se vê as mesmas cores e os mesmos tons, renomeados, naturalmente. E usar um móvel específico que destoe de todo o resto, também combina.

Os decoradores dizem há décadas que assim pode e assim não pode, mas o que precisa mesmo é que a pessoa se sinta bem em sua casa e que tudo se pareça com ela. Sim, sim, estou entendendo. No século passado a família construía uma casa, comprava um carro, fazia umas poucas viagens para longe, ficava-se casado por 60 anos. A tecnologia atravessava o oceano a pé, e um filme lançado nos Estados Unidos vinha de Zepellin, numa jornada de meses, que era para causar maior emoção na audiência.

Eu estou na moda, exijo de mim mesma estar permanentemente na moda. E para quê? O mundo da moda precisa faturar. Isso já é um motivo justificável. Então vamos listar. É proibido envelhecer, também não se pode repetir à noite a tecnologia de hoje ao meio dia, mas fingir que já se soube da novidade de amanhã, pode.

O coração não vai bater mais do que 80 vezes por minuto, exceto na esteira ergométrica. Os que já vivem cansados das imposições feitas por eles mesmos, deveriam se acalmar e impor outra moda: calma, paciência, tempo sobrando, atenção às pessoas e ao que se esta fazendo, ouvir, degustar, olhar e respeitar o outro. Prestar atenção não só no cachorro, mas no amigo, e não ficar com o olho esticado sobre uma tela ou alguma outra coisa. Isso sim, nunca deveria ter saído de moda.

E sobre o caminho de mesa, eu o coloco onde eu quiser, e se me der na telha fazê-lo de turbante ou cachecol, estará num bom uso. A moda é louca? Eu sou louca e meia. O cabelo tem de estar liso? Não dou a mínima para isso. No máximo estarei fora de moda, com os meus fios grossos e desalinhados. E quem se importaria com isso, se nem mesma eu me importo? Mas, que ninguém se implique com as minhas palavras e entenda que faço um discurso contra a moda. Afinal um escrito desses bate na parede e fica por lá. Morre. Quem se importa com textos natimortos?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Apoiado, Mara. Eu também, em matéria de moda, sigo uma única tendência: ficar bem fora dela. E bem longe de quem a ela dá valor. Abraços.

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    1. Achando muita graça do seu comentário, Marcelo. Sua veia humorística não tira férias. Sempre ao seu lado. Obrigada pela força em ler o texto e em acompanhar-me no pensamento.

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