Crônica natalina informal (e irracional)
O Natal, por se tratar do assunto mais batido para quem lida
com textos – mais especificamente, escritores e jornalistas – é tremendo
desafio para quem queira escrever algo original. Por mais que você se esforce,
acaba se limitando, sempre, a uma espécie de “variação em torno de um mesmo
tema”. As várias crônicas e os diversos poemas que já li (e olhem que li, sem
exagero, milhares deles) diferem, uns dos outros, somente na forma. Quanto ao
conteúdo... não há como fugir destes clichês: presépio, ceia, espírito
natalino, Papai Noel; os solitários, doentes, encarcerados ou carentes
impedidos pelas circunstâncias de festejar; presentes; árvores enfeitadas,
compras; reconciliações; excessos; missa do galo etc.etc.etc. É isso ou nada. E
não importa o gênero a que você recorra. Varia a forma de exposição, mas o
assunto é sempre o mesmo. E isso há mais de dois mil anos. Como exigir, pois,
originalidade?
Não são todos os escritores que se arriscam a enveredar por
esse tema, que exige o máximo de criatividade para se redigir com mínimo de
originalidade. É certo que tenho em meus arquivos e na minha caótica biblioteca
crônicas, contos e poemas de alguns dos expoentes das letras nacionais (e
mundiais, como Eça de Queiroz, Charles Dickens e até o cético socialista
Anatole France). Raros deles, todavia, escreveram mais do que uma única peça
literária sobre o assunto. Certamente não quiseram se arriscar a cair no lugar
comum, quando não descambar para o que há de mais chato para um escritor
consagrado que se preze: a pieguice. Queiram ou não, o tema é perigosa
armadilha desse tipo. Raros conseguem escapar dela. E os que não escapam,
repudiam, anos depois, essas esporádicas produções, tentando impedir que voltem
a público. Pelo sim, pelo não, a maioria nem tenta escrever a respeito. E os
que se arriscam, e tentam, se limitam a um ou outro texto e olhem lá.
Tenho em meus arquivos, que me lembre, crônicas de Rubem
Braga (este, mestre de todos nós, conseguia escapar da pieguice e do lugar
comum fosse qual fosse o assunto abordado), de Lygia Fagundes Telles, de
Cecília Meirelles (que mesmo sendo poetisa, se aventurou a redigir pelo menos
uma crônica natalina), de Vinícius de Moraes, de Mário Quintana, de Carlos
Drummond de Andrade (sobretudo, poema), de Sérgio Porto (o inigualavelmente
bem-humorado Stanislaw Ponte Preta) de
Cyro dos Anjos e de Luís Fernando Veríssimo, dos que me lembro. Porém, embora
sejam raros os escritores que empreenderam esse tipo de “aventura”, tenho, em
meus arquivos, em torno de um milhar de textos natalinos deles. Está claro que
não me lembraria de todos. Nem haveria como! Embora tenha boa memória, ela não
é tão precisa assim como gostaria que fosse. Perde, por exemplo, até para a de
qualquer elefante, ora pois... Bem, aí é covardia.
Por estranho que pareça, meu até aqui único e inacabado
romance, que há uns nove anos luto para acabar, acrescentando, cortando,
tornando a acrescentar, voltando a cortar, em um processo insano e sem fim, é
justamente sobre esse tema. Bem, não é propriamente sobre o Natal, pelo menos
da forma como a maioria dos povos o entende e o celebra. O título desse “parto
da montanha” (provavelmente provisório, ainda não decidi) é “O Sinterklaas de
Roterdã”. Trata-se, ao final e ao cabo, do verdadeiro Papai Noel (e não desse
made in USA, criado, na década de 20 do século passado, para fazer propaganda
da Coca-Cola) no caso São Nicolau, cultuado em boa parte da Europa. Reza a
lenda que esse bispo de tempo remotíssimo era useiro e vezeiro em presentear
pessoas. “Sinterrklaass” é o nome que lhe dão nos países baixos, ou seja, na
Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Fosse essa a nossa tradição, o Natal já teria passado há
vinte dias. A festa dedicada a essa tradicional figura é comemorada em 5 de
dezembro. Não vou sequer resumir, aqui, o enredo do meu romance (que num
esforço hercúleo juro que vou concluir, só não sei se no ano que vem). Garanto,
todavia, que é complexo (sou maluco por desafios que nem sei se tenho
capacidade de vencer). Contudo, holandeses, belgas e luxemburgueses têm dois
Natais. Um, é o festejo do desembarque do Sinterklaas em suas principais
cidades, que vem de navio, da Turquia, distribuindo balas e doces às crianças,
acompanhado de seu indefectível e fiel servo mouro, Piet. E outro é este nosso,
com ceia, peru e tudo o mais, e com o mesmo Papai Noel made in USA nosso. Quem
sai bem com isso é a gurizada.
Bem, enrolei, enrolei, mas consegui redigir um texto
natalino que foge do convencional, do clichê, do lugar comum. Só não sei se vai
interessar a alguém. Espero que sim. Quem sabe se, com algumas taças de vinho
na cabeça, o leitor, imbuído do tal espírito de Natal, o leia com complacência
e o considere, até, “genial”. Admito: isso já é querer demais, mesmo que quem o
vier a ler esteja, digamos, bêbado. Mas... quem sabe? Vale a tentativa.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Você publicou aqui mais de um capítulo desse romance. Espero que consiga finalizá-lo, pois a sensação de missão cumprida é um alívio e tanto.
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