Diferença e desprezo
* Por Daniel Santos
Dia
desses, recebi a visita da gratidão, mas só depois do susto inicial entendi o
quanto me queria aquilo que deixei viver, embora um intolerante quase me
convencesse, então, a incorrer em mesquinharia.
Aconteceu
meses atrás, quando conversava com um vizinho no muro ao fundo de nossas casas:
enquanto ele maldizia a velhice e eu defendia que quase tudo podemos superar,
avistamos uma lagarta.
Gorda,
cabeleira ruiva, chifres de intimidar até o demo, tudo nela induzia à repulsa.
Intuí, no entanto, que de seus planos e prazos só ela sabia. Ela e ninguém
mais. Mas o vizinho instigava “mata, mata!”.
Pois,
não matei. Ou quase matei. Mas sem coragem de interferir nos mistérios da
Criação e certo de que a diferença não merece desprezo, deixei-a onde se
banqueteava. E que o vizinho não a molestasse – frisei.
A
lagarta meteu-se no casulo. Meses depois, ressurgiu já borboleta. Amarela!
Estava na janela da cozinha, quando ela passou rente à minha testa num aceno
agradecido. E logo escapuliu para viver sua nova idade.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
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