Desamparo
* Por Daniel Santoss
Quando ele atravessava o túnel
entre as zonas Norte e Sul da cidade, um carro veio por trás e, ao forçar
ultrapassagem, bateu violento na sua traseira para depois chocar-se contra o
paredão de concreto e explodir!
Apesar do susto, ele não perdeu o
controle da direção e acelerou para livrar-se de eventual flagrante. Afinal,
não causara aquele acidente. Logo chegou em casa e, para a própria surpresa,
conseguiu adormecer.
Despertou com o telefonema de um
amigo, excitado com as notícias do dia: um chefe de Estado morrera em acidente
automobilístico no túnel e, como há tempos recebia ameaças de morte, o crime
poderia ser político!
Contou mais: vários partidos
preparavam manifestações para aquela tarde, o presidente da República falaria à
nação e polícias de outros países vinham averiguar o suposto atentado que
ecoava já pelo mundo inteiro.
Tudo de pernas pro ar: era a
crise! E ele na berlinda! Entregava-se ou permanecia clandestino? Aturdido,
encolheu-se na cama – feto à espera da primeira palmada. Só assim conseguiria
soltar o berro da sua angústia.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de
"O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio
de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita"
(poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola"
(contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou
da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
O famoso "estar no lugar errado". Melhor que estivesse "fetalmente" deitado na hora da explosão.
ResponderExcluir