Ilusão
do Paraíso
* Por Pedro J. Bondaczuk
Se o Paraíso, o bíblico “Jardim
do Éden”, existiu, de fato, ou se não passa de mera alegoria de como era a
Terra, antes que o homem, com sua insensatez e burrice, a estragasse e
emporcalhasse, é uma discussão sem fim. Pesquisadores de todas as áreas
empenham-se, há séculos, para comprovar (ou desmentir com provas) sua
existência ou não, em vão.
O que impede, porém, o homem de
fazer do mundo todo um paraíso a girar no espaço? Sua insensatez. Sua maldade
latente. Seus instintos de fera, mal-dominados pela razão. Seu egoísmo, cupidez
e falta de solidariedade. Podemos chamar de tudo, este planeta azul, avariado,
poluído, semi-destruído, menos de Paraíso.
Imaginem o quanto somente de
dejeto fecal é gerado, diariamente, mundo afora, por 6,7 bilhões de indivíduos!
E quanto se gerou em cerca de 140 mil anos de presença do homem na Terra, ao
longo de sucessivas gerações. É verdade que na natureza nada se cria e nada se
perde: tudo se transforma.
Mas todos esses dejetos não se
evaporaram no ar, como por encanto. Estão aí, mesmo que transformados e se
acumulam, em progressão geométrica a cada dia que passa. Digamos que o Jardim
do Éden exista e esteja perdido em algum recanto indevassável (o que não é nada
provável nesta era da globalização em que inúmeros satélites mapeiam cada
milímetro da Terra).
O escritor inglês, James Hilton
imaginou, no livro “Horizonte Perdido”, publicado em 1937, “um” paraíso (não
especificamente “o” Paraíso, o que é bem diferente). Coube-lhe, com seu
romance, que ganhou duas versões cinematográficas – a primeira de 1937,
dirigida por Frank Capra e a segunda de Charles Jarret, em 1977 – a façanha de
colocar na boca do mundo não a palavra Éden, mas Shangrilá.
Seu Paraíso era, na verdade, um
mosteiro que “se encontrava a uma altitude de montanha” e “as montanhas que
dele se erguiam eram montanhas acima de montanhas”. A “descoberta” se deu por
quatro ingleses, cujo avião, que havia partido de Peshawar, no Paquistão, caiu
naquele local aparentemente inóspito e inacessível.
Milagrosamente, quase todos a
bordo sobreviveram e foram levados para o mosteiro budista de Shangrilá por um
“grupo de tibetanos vestindo pele de carneiro, com chapéus de pele e botas de
couro de iaque”. E assim começavam umas férias forçadas para os quatro
passageiros do avião.
Ali, tudo funcionava com
perfeição. Assustados, porém, com um mundo tão perfeito, dois dos “eleitos” acabaram por desertar,
classificando-o de prisão, de lugar “doentio e imoral”. O mosteiro de
Shangrilá, na verdade, existe (não, claro, com as características descritas por
Hilton). Fica sobranceiro ao Vale da Lua Azul, de “surpreendente fertilidade”,
onde “culturas de diversidade invulgar se desenvolviam profusa e contiguamente,
sem um centímetro de solo a amanhar”.
Mas essa versão do Éden não foi
nenhuma descoberta real, mas mera ficção. Imaginem, porém, que o suposto
Paraíso fosse localizado por alguma dessas engenhocas que orbitam o Planeta e
viesse a ser apropriado pelo homem. Não tardaria para que, logo, se
transformasse num inferno. É provável que, de imediato, alguma incorporadora
imobiliária o transformasse num resort, com hotéis, restaurantes, boates e
tantas outras bobagens que as pessoas consideram o suprassumo do conforto e da
sofisticação.
Seria, sobretudo, magnífico ponto
turístico, a render dividendos para o país que se apropriasse da área e
decretasse ali sua soberania e suas leis (provavelmente os Estados Unidos). Seus frutos seriam colhidos todos, até os
não-maduros, para a venda. Logo, as árvores que os produzissem estariam
esgotadas, ressequidas e mortas, por causa da exploração irracional.
Ademais, o Éden, não tenham
dúvidas, não seria “democrático” e livre. Só os afortunados, os detentores de
gordas contas bancárias, em dólares, libras e euros (claro!), para esbanjar,
teriam acesso a ele. Não tardaria para que o Paraíso tivesse, ao seu redor,
inúmeras atividades marginais, ilícitas e criminosas, como tráfico de drogas,
prostituição, jogatina e outras tantas coisas viciosas e ruins. E, nas
cercanias, dezenas de favelas.
Melhor, portanto, que esse
paraíso terrestre (se existir) continue restrito ao terreno das ilusões e
fantasias humanas. Só assim os pobres terão acesso a ele: através da esperança
e do sonho. Morris West escreveu, a esse propósito, no romance “O Navegante”:
“O paraíso terrestre é a mais velha e maior ilusão do homem. Ainda que ele
existisse, nós o arruinaríamos. Por mais que os frutos estivessem ao alcance da
mão, haveríamos sempre de querer os que estivessem mais alto”. Há alguma
dúvida, portanto, sobre a exatidão dessas constatações? Para mim, não há
nenhuma!
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Neste caso, o melhor mesmo é nem sonhar.
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