“Pra
que rimar amor com dor?” (Mora na Filosofia/Monsueto Meneses - Caetano Veloso)
* Por
Mara Narciso
Os homens classificaram
as dores em função da intensidade, sendo que a mais forte é a dor do infarto,
seguida pela dor da cólica renal, e levando a medalha de bronze, a dor do
parto, tão intensa que, dizem, se equivale a vinte ossos se quebrando. Há quem
não tenha capacidade de sentir dor, um meio de defesa, por exemplo, quando
encosta-se a algo que queima. A dor faz afastar de imediato a área injuriada.
Os que não sentem dor podem morrer de apendicite, pois é sintoma indispensável
para se suspeitar do diagnóstico.
A pior dor do mundo é a
que se sente num dado momento. De todas, àquela é a mais intensa e intolerável.
Para esquecer a primeira, é só arrumar outra. Na cabeça ela não alisa, nem nos
ouvidos, nem nos dentes. Dores articulares, reumáticas e crônicas, com
limitações da mobilidade devem ser as campeãs em frequência. Dores musculares,
da fibromialgia, doença que alguns questionam a existência, mas seu diagnóstico
dá um nome à tortura e vem salvar pessoas com dores permanentes e a pecha de
neuróticas.
As cólicas menstruais
com ou sem endometriose, as cólicas intestinais por infecções ou doenças
inflamatórias crônicas, são dores de órgãos ocos, e que impedem as atividades
normais. Também chamadas algias, àquelas que provêm do câncer avançado e suas
metástases só melhoram com opiáceos, entre eles a morfina. As neuropatias e
neuralgias são muito penosas. Assim, cada parte do corpo com suas
peculiaridades álgicas.
Diante do sofrimento da
dor a miserabilidade humana aparece com toda a sua dimensão, e exigindo
coragem. Qualquer um cai de joelhos, implorando ajuda. A anestesia e o
anestesista são os salvadores, quando surgem como anjos, acudindo o infeliz das
suas dores físicas. É um mal algumas vezes sem jeito, e para isso existem
clínicas e especialistas em dor, com remédios e acupuntura, entre outros
recursos. Não é possível viver bem com ela, mas há quem nunca fique livre da
sua.
Há dores reais e
imaginárias, e estas últimas quase que não podem ser debeladas. Diante de um
desconforto, se há motivo para medo, o sintoma se amplia, vira um monstro, e
acaba engolindo o coitado que somatiza. Depois de caminhos penosos, exames
feitos e uma visita aos profissionais da mente, a dor fantasma não acaba por
mágica, mas sim com o tempo, por vezes, um interminável tempo.
A dor é invisível, e
por isso, quem dela padece de forma crônica, e naturalmente reclama, incomoda
os que escutam suas queixas, e nada estão vendo. Muitos não acreditam e poucos
se solidarizam com a dor alheia. A crítica e o desprezo são mais frequentes do
que se imagina. E os analgésicos foram uma soberba descoberta contra elas. Para
as dores psíquicas há a religião e a psiquiatria. Até onde vai a alma e onde
começa a mente? Uma palavra de solidariedade, uma brisa de compreensão, um
abraço, uma atenção são remédios poderosos.
A terapia da conversa,
com suas diversas vertentes e técnicas, abre caminhos para aliviar dores
emocionais. A busca de autoconhecimento fecha feridas e ameniza cicatrizes.
Falar dos sofrimentos íntimos, de maneira espontânea, a um amigo confiável e
com o qual não seja preciso filtrar o que se diz, alivia, acalmando a dor. O
psiquiatra ou psicólogo cumprem esse papel, assim como o padre ou pastor. A
escrita, na vertente do desabafo, pode ter papel semelhante. O problema
dividido com a pessoa certa tem seu peso reduzido. Com a errada amplia-se.
O ser humano é frágil e
pequeno, e seus medos e dores são grandes, então, no desespero, as buscas por
alívio podem passar pelo álcool, drogas lícitas e ilícitas. A procura do
relaxamento em pílulas, ou onde ele estiver, pode chegar ao vício e
dependência. O profissional impede os extravios irretornáveis, por óbvio, mas
há quem prefira vagar sozinho.
O prazer é sentido em
pulsações, e a dor também, acompanhando as batidas do coração. Para a saudade
que rasga o peito, o choro, e quando não passa, o tempo. Então, vem o
compositor, com uma boa canção, mas numa das suas piores rimas. Ainda assim, a
imortaliza. A dor dos mortais pode ser imortal.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional,
membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico,
ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Nada como uma médica para falar com propriedade sobre o assunto. Destaque para o último parágrafo - primoroso. Parabéns, doutora.
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