quarta-feira, 6 de agosto de 2014

“Pra que rimar amor com dor?” (Mora na Filosofia/Monsueto Meneses - Caetano Veloso)

* Por Mara Narciso

Os homens classificaram as dores em função da intensidade, sendo que a mais forte é a dor do infarto, seguida pela dor da cólica renal, e levando a medalha de bronze, a dor do parto, tão intensa que, dizem, se equivale a vinte ossos se quebrando. Há quem não tenha capacidade de sentir dor, um meio de defesa, por exemplo, quando encosta-se a algo que queima. A dor faz afastar de imediato a área injuriada. Os que não sentem dor podem morrer de apendicite, pois é sintoma indispensável para se suspeitar do diagnóstico.

A pior dor do mundo é a que se sente num dado momento. De todas, àquela é a mais intensa e intolerável. Para esquecer a primeira, é só arrumar outra. Na cabeça ela não alisa, nem nos ouvidos, nem nos dentes. Dores articulares, reumáticas e crônicas, com limitações da mobilidade devem ser as campeãs em frequência. Dores musculares, da fibromialgia, doença que alguns questionam a existência, mas seu diagnóstico dá um nome à tortura e vem salvar pessoas com dores permanentes e a pecha de neuróticas.

As cólicas menstruais com ou sem endometriose, as cólicas intestinais por infecções ou doenças inflamatórias crônicas, são dores de órgãos ocos, e que impedem as atividades normais. Também chamadas algias, àquelas que provêm do câncer avançado e suas metástases só melhoram com opiáceos, entre eles a morfina. As neuropatias e neuralgias são muito penosas. Assim, cada parte do corpo com suas peculiaridades álgicas.

Diante do sofrimento da dor a miserabilidade humana aparece com toda a sua dimensão, e exigindo coragem. Qualquer um cai de joelhos, implorando ajuda. A anestesia e o anestesista são os salvadores, quando surgem como anjos, acudindo o infeliz das suas dores físicas. É um mal algumas vezes sem jeito, e para isso existem clínicas e especialistas em dor, com remédios e acupuntura, entre outros recursos. Não é possível viver bem com ela, mas há quem nunca fique livre da sua.

Há dores reais e imaginárias, e estas últimas quase que não podem ser debeladas. Diante de um desconforto, se há motivo para medo, o sintoma se amplia, vira um monstro, e acaba engolindo o coitado que somatiza. Depois de caminhos penosos, exames feitos e uma visita aos profissionais da mente, a dor fantasma não acaba por mágica, mas sim com o tempo, por vezes, um interminável tempo.

A dor é invisível, e por isso, quem dela padece de forma crônica, e naturalmente reclama, incomoda os que escutam suas queixas, e nada estão vendo. Muitos não acreditam e poucos se solidarizam com a dor alheia. A crítica e o desprezo são mais frequentes do que se imagina. E os analgésicos foram uma soberba descoberta contra elas. Para as dores psíquicas há a religião e a psiquiatria. Até onde vai a alma e onde começa a mente? Uma palavra de solidariedade, uma brisa de compreensão, um abraço, uma atenção são remédios poderosos.

A terapia da conversa, com suas diversas vertentes e técnicas, abre caminhos para aliviar dores emocionais. A busca de autoconhecimento fecha feridas e ameniza cicatrizes. Falar dos sofrimentos íntimos, de maneira espontânea, a um amigo confiável e com o qual não seja preciso filtrar o que se diz, alivia, acalmando a dor. O psiquiatra ou psicólogo cumprem esse papel, assim como o padre ou pastor. A escrita, na vertente do desabafo, pode ter papel semelhante. O problema dividido com a pessoa certa tem seu peso reduzido. Com a errada amplia-se.

O ser humano é frágil e pequeno, e seus medos e dores são grandes, então, no desespero, as buscas por alívio podem passar pelo álcool, drogas lícitas e ilícitas. A procura do relaxamento em pílulas, ou onde ele estiver, pode chegar ao vício e dependência. O profissional impede os extravios irretornáveis, por óbvio, mas há quem prefira vagar sozinho.

O prazer é sentido em pulsações, e a dor também, acompanhando as batidas do coração. Para a saudade que rasga o peito, o choro, e quando não passa, o tempo. Então, vem o compositor, com uma boa canção, mas numa das suas piores rimas. Ainda assim, a imortaliza. A dor dos mortais pode ser imortal.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. Nada como uma médica para falar com propriedade sobre o assunto. Destaque para o último parágrafo - primoroso. Parabéns, doutora.

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