segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Futebol e ditadura

* Por Mouzar Benedito

Copa do Mundo de 1970, no México. Primeiro veio a alegria de ver uma seleção jogando bem demais. Treinada por João Saldanha, ela tinha um meio de campo que incluía um dos melhores jogadores do mundo, Dirceu Lopes, do Cruzeiro. Derrotava os adversários de lavada nas classificatórias.

Mas no auge da ditadura, o general-presidente Garrastazu Médici se sentia no direito até de querer influir na escalação. Queria que João Saldanha escalasse o atacante Dario, apelidado “Peito de Aço”. Saldanha, comunista brigão, não gostou: “Escale o seu ministério que eu escalo a minha seleção”, respondeu. Pouco depois estava demitido da seleção. Seu lugar foi ocupado por Zagalo, que de início tirou um pouco o encanto da seleção, ao afastar jogadores como Dirceu Lopes.

Além do descontentamento “futebolístico”, havia outro motivo que fazia muita gente torcer o nariz para a seleção: sua vitória seria usada para propagandear a ditadura brasileira. Muitos ficaram com a opinião de que devíamos torcer por sua derrota. Mas isso durou pouco, só até o início da Copa. Aí, foi uma festa danada em cada jogo. Inclusive porque pela primeira vez uma Copa do Mundo era transmitida ao vivo pela TV. Assistimos a quase todos os jogos no pátio do prédio da Geografia e História da USP, superlotado, vibrante, com aquele bando de gente de esquerda (e muita gente de direita também) se esquecendo de qualquer coisa de política para aplaudir as vitórias da equipe que tinha Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino, Clodoaldo e outros supercraques. Mesmo sem os dispensados por Zagalo, a seleção era um arraso. E realmente a vitória brasileira foi usada para propaganda da ditadura.

Em 1974, na Copa da Alemanha, muita gente esperava um repeteco de 1970. Mas havia uma novidade: a seleção da Holanda, chamada de “Laranja Mecânica”, pela cor de seu uniforme e por causa de um filme da época. Era avassaladora. Dava um baile em todo mundo, ganhava todas. Nas semifinais, olha lá quem era o adversário do Brasil: ela mesma, a Holanda.

Eu trabalhava no Sesc Pompéia, e destinamos um salão para todo mundo assistir aos jogos. No fundo dele, havia um quadro-negro. Nesse dia do embate contra a Holanda, o salão estava lotado, todo mundo tenso antes de começar o jogo. Estava difícil esperar uma vitória brasileira. Um funcionário do Sesc foi até o quadro-negro e escreveu: “Deus é brasileiro”. Foi muito aplaudido. Fui lá, coloquei uma vírgula e continuei: “Mas tá exilado na Holanda”.  Claro que levei uma baita vaia. Mas o Brasil perdeu mesmo. Só que a Holanda não foi campeã, perdeu para a Alemanha na final.


* Jornalista

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