Futebol e ditadura
* Por
Mouzar Benedito
Copa do Mundo de 1970,
no México. Primeiro veio a alegria de ver uma seleção jogando bem demais.
Treinada por João Saldanha, ela tinha um meio de campo que incluía um dos
melhores jogadores do mundo, Dirceu Lopes, do Cruzeiro. Derrotava os
adversários de lavada nas classificatórias.
Mas no auge da ditadura,
o general-presidente Garrastazu Médici se sentia no direito até de querer
influir na escalação. Queria que João Saldanha escalasse o atacante Dario,
apelidado “Peito de Aço”. Saldanha, comunista brigão, não gostou: “Escale o seu
ministério que eu escalo a minha seleção”, respondeu. Pouco depois estava
demitido da seleção. Seu lugar foi ocupado por Zagalo, que de início tirou um
pouco o encanto da seleção, ao afastar jogadores como Dirceu Lopes.
Além do
descontentamento “futebolístico”, havia outro motivo que fazia muita gente
torcer o nariz para a seleção: sua vitória seria usada para propagandear a
ditadura brasileira. Muitos ficaram com a opinião de que devíamos torcer por
sua derrota. Mas isso durou pouco, só até o início da Copa. Aí, foi uma festa danada
em cada jogo. Inclusive porque pela primeira vez uma Copa do Mundo era
transmitida ao vivo pela TV. Assistimos a quase todos os jogos no pátio do
prédio da Geografia e História da USP, superlotado, vibrante, com aquele bando
de gente de esquerda (e muita gente de direita também) se esquecendo de
qualquer coisa de política para aplaudir as vitórias da equipe que tinha Pelé,
Tostão, Gerson, Rivelino, Clodoaldo e outros supercraques. Mesmo sem os
dispensados por Zagalo, a seleção era um arraso. E realmente a vitória
brasileira foi usada para propaganda da ditadura.
Em 1974, na Copa da
Alemanha, muita gente esperava um repeteco de 1970. Mas havia uma novidade: a
seleção da Holanda, chamada de “Laranja Mecânica”, pela cor de seu uniforme e
por causa de um filme da época. Era avassaladora. Dava um baile em todo mundo,
ganhava todas. Nas semifinais, olha lá quem era o adversário do Brasil: ela
mesma, a Holanda.
Eu trabalhava no Sesc
Pompéia, e destinamos um salão para todo mundo assistir aos jogos. No fundo
dele, havia um quadro-negro. Nesse dia do embate contra a Holanda, o salão
estava lotado, todo mundo tenso antes de começar o jogo. Estava difícil esperar
uma vitória brasileira. Um funcionário do Sesc foi até o quadro-negro e
escreveu: “Deus é brasileiro”. Foi muito aplaudido. Fui lá, coloquei uma
vírgula e continuei: “Mas tá exilado na Holanda”. Claro que levei uma baita vaia. Mas o Brasil
perdeu mesmo. Só que a Holanda não foi campeã, perdeu para a Alemanha na final.
* Jornalista
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