Faça
sua história
* Por Cecília França
Sempre ridicularizara aquele tipo
de literatura. Nem o considerava como tal. Sua mãe vivia arrebatada pelas
histórias de amores nada ingênuos e, invariavelmente, com finais felizes.
Livros rasos, em sua opinião. Interessava-se por narrativas mais densas,
histórias consistentes, reais, que não poupassem os personagens imprimindo-lhes
apenas sofrimentos superficiais.
Na verdade, tinha uma queda por
tragédias e romances psicológicos. Sem modéstia, achava-se intelectualmente
superior por não perder tempo com aquela leitura banal. Achava-se. Porque agora
estava ela, sempre com o livrinho aberto – deitada na cama, encostada na pia,
em frente ao computador – envolta pelas palavras dos amantes incendiados pela
paixão.
Devorava o terceiro volume e não
conseguia parar de ler até que chegasse às últimas palavras, sempre
equivalentes a um "viveram felizes para sempre". A cada livro que
terminava custava a apagar da mente aqueles belos homens, de corpos bem
talhados, que lutavam para domar suas amadas, protagonizando com elas cenas de
amor de arrepiar a espinha. Para esquecer de um, só lendo outro.
Fora vencida pela mãe, que,
vendo-a ser consumida pelo estresse do trabalho e da vida pessoal, praticamente
a obrigara a ler as primeiras linhas. "É melhor que qualquer
antidepressivo, minha filha!" Estava certa. Relaxada diante daquelas
páginas que prometiam preencher seu vazio interior, ela sorria, leve por
descarregar seu mau-humor em outro canto que não fosse os ouvidos das pessoas
que amava.
Ao iniciar o quarto volume,
deparou-se com uma situação de estranheza que crescia a cada linha. Tratava-se
da história de uma jornalista com mais de trinta anos, solteira, realizada no
trabalho, mas com uma vida pessoal daquelas para serem esquecidas – até a
chegada do príncipe encantado, é claro. Tratar-se-ia apenas de mais um roteiro
manjado, não fosse também ela uma jornalista, na casa dos trinta, porém,
prestes a se casar.
Aquela mulher era livre, saía com
os homens que tinha vontade, morava sozinha e trabalhava até altas horas, se
quisesse. Ela, era obrigada a reservar parte de seu tempo ao noivo, que exigia
atenção, e à família, dominadora. Morar sozinha mesmo, jamais. Sairia da casa
dos pais para a sua própria. Ah, aquela mulher era o seu sonho de consumo.
Um homem alto, lindo, viril,
tentava conquistá-la com ligações diárias, flores e convites para jantar. Há
quanto tempo ela não sabia o que era ser cortejada! O noivo parecia muito certo
de seu amor. De repente, viu naquelas linhas um sinal. Como lera tantas vezes
ao longo da vida "nada era por acaso" e não era coincidência aquele
livro cair-lhe nas mãos. Era a vida que queria estampada naquelas páginas.
Largaria tudo no dia seguinte,
incluindo pais e noivo. Todos diriam que estava louca, não se importaria. Daria
asas à sua liberdade, antes que fosse tarde. Passaria os próximos anos
namorando quem tivesse vontade, sem compromisso, e dedicar-se-ia inteiramente
ao trabalho, alcançando a tão sonhada promoção. O livro lhe abrira os olhos e o
caminho.
Parecia tudo muito claro.
Parecia. O livro terminava enquanto a jornalista ainda era jovem, bela,
conquistadora, inteligente. E quando tudo isso acabasse, quando as rugas
começassem a aparecer e os pais se fossem, bem como os amores esporádicos?
Resignou-se, com um leve sorriso
no rosto. Realmente nada era por acaso. Entendendo tudo, rasgou as folhas do
livro, sentou-se diante do computador e escreveu, ela própria, sua história.
* Jornalista
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