Corredor da morte
*Por
José Calvino
Corredor da Morte. Como
o próprio nome já diz, era conhecido por ser um lugar perigoso. Para ir até lá
era preciso ser disposto. Sempre havia desavenças entre os jovens dos bairros
de Casa Forte e Casa Amarela. Ficava localizado no oitão do Mercado Público de
Casa Amarela.
O meu amigo
poeta-escritor em suas qualidades sempre gostou de freqüentar esses lugares,
simples, e sempre foi respeitado. Mas o
poeta escritor e cônsul dos Poetas Del Mundo (Zona Norte do Recife), ficou como
se tivesse esperando todos estes anos para poder contar por escrito, sem estar
sob a trava na língua relatando os pequenos acontecimentos com precisão e
deixando por conta do leitor o humor.
Sempre cheio de otimismo o poeta vem conquistando diversos leitores, embora
revele aos amigos que foi um leitor retardatário, lia mais gibis, revistas em
quadrinhos... os do seu tope que viviam em casa proibidos pelos pais de
brincarem de jogar bola, pião, empinar papagaio, etc. e eram conhecidos, aliás,
como afrescalhados. O poeta desde menino, durante o dia era o maior peladeiro
da “paróquia”. À noite, quando jovem assistia muitos filmes. Após a saída do
cinema entrava na boemia casamarelense e nos Bairros do Recife Antigo e Rua do
Jaú no Pina (Zonas de baixo meretrício). Mas, com tudo isso, vem conseguindo
fazer com que os que tiveram ou têm a sorte de ler e ouvir com muita atenção as
suas crônicas, suas poesias, os seus livros que se lêem num instante, como se
diz de um só fôlego.
E continuamos a refletir
e a pensar como o poeta ainda continua escrevendo e se comunicando com o povão.
Contando algumas lembranças, ele relembra que havia no então Corredor da Morte,
um guarda apelidado de “44”, que ficava sempre no balcão do boteco de dona
Augusta, armado com dois revólveres, um municiado com cinco cartuchos na
cintura, próximo ao umbigo e o outro sem munição, na cartucheira no bolso de
trás. Os frequentadores sabiam que era malícia do “44”, deixar o “trintoitão”
aparecer. Mas, sobretudo, o que fez o local ficar mais temido e famoso, foram
as duas mortes (anos 50), uma foi a
golpes de faca-peixeira, pelo vigia Elias e a outra por disparos de arma de
fogo pelo guarda civil “Estrela”. O guarda “44”, que já estava sendo visado
pelos desordeiros do local, deixou de freqüentar o local, o motivo não foi nada
mais nada menos do que uma vingança.
Quando o mesmo ao subir no ônibus, colocando o pé (44) direito no
estribo, Nivaldo, mais conhecido por
“Cara de Coelho”, incontinenti, com toda energia, deu-lhe uma rasteira na perna
esquerda deixando o mesmo para o resto da vida sem forças para andar,
quiçá fazer pose no boteco do Corredor. Quem também frequentava muito o local era o famoso chefe de gang do Rio de Janeiro,
Ramirez. Quando ele vinha a Pernambuco se escondia no Morro da Conceição, Casa
Amarela que era o seu reduto preferido. Bem quisto com a comunidade, muito
carola, na hora da oferenda distribuía dinheiro na Paróquia e, para se garantir
a sua permanência no Morro, a propina à polícia (Delegacia de Casa Amarela e ao
Comissariado do Morro). Se fazia valer, como se dizia, dando o que era de
“lei”! Pagou os honorários advocatícios decorrentes do ato cometido pelo cantor
“Cara de Coelho”. Ramirez era um poliglota, conquistou popularidade, conhecedor
da vida social do assalariado, não enganava aquela gente humilde. Um exemplo de
honestidade. Em 1959 aconteceu uma tragédia na comemoração da festa da
Padroeira do Morro. Houve um curto circuito nas gambiarras das barracas e nos
brinquedos da quermesse, provocando uma correria entre as pessoas, que pensavam
tratar-se de tiros de arma de fogo, o que resultou em inúmeras pessoas
acidentadas. Ramirez, por sua vez (sou testemunha ocular), socorreu diversas
pessoas, conhecidas ou não. As vítimas, se vivas forem, certamente não sabem
quem as socorreu.
Ramirez, com seu ar de
superioridade, sempre se mostrava numa foto na qual se via mantendo relações sexuais com ambos os sexos.
Dizia orgulhosamente: “Eu sou completo, ladrão, poliglota, homossexual e
assassino. O que vocês querem mais?
- Dá um grande golpe
nos grandes comerciantes de Casa Amarela. – disse um desempregado, já no rol da
malandragem. Casa Amarela (anos 50) era considerado o maior bairro do Brasil.
- Sugestão
interessante! – respondeu Ramirez dando uma risada das que ele gostava.
Risos
Então, foi no Corredor
da Morte que Ramirez arquitetou um plano fraudulento que lhe rendeu uma
“bolada”. O gráfico Amaro Branco, que tinha uma gráfica clandestina no Alto da
Foice (hoje Alto Nossa Senhora de Fátima, que levava o mesmo nome da gráfica)
foi quem confeccionou uns dez blocos de pedidos de gillettes TEK, através dos
quais comprou umas caixinhas da dita gilete e reuniu uns oito rapazes de boa
aparência (naquele tempo era difícil encontrar moças para trabalhar sem permissão dos pais, que
geralmente não as autorizavam). Os jovens foram instruídos pelo malandro
carioca, que veio do Rio pessoalmente
para dirigir a equipe. Cada um dos “representantes” ofertava umas três
caixinhas de gilete e incentivava os comerciantes a fazerem pedidos grandes, por se tratar de uma só semana de “promoção”.
Sugeriam que, adiantando uma bagatela de cem mil réis em cada pedido realizado,
receberiam logo a encomenda. A entrega seria numa quarta-feira às 10:h, em
frente ao Armazém 14, no Porto do Recife. Faziam cientes aos compradores a
presença do desconhecido por eles (os comerciantes) Ramirez, amigo do conhecido
comerciante João Arruda. E no dito dia, foi combinado ir no luxuoso Galaxy, na
frente com João Arruda. A presença de Ramirez junto com o considerado maior
comerciante do bairro deixou os demais comerciantes eufóricos aguardando as
mercadorias solicitadas na frente do Armazém 14. Sorridente, Ramirez entrou no
dito Armazém com o malandro carioca e um dos filhos de um pequeno comerciante,
apelidado de “Lula-lá”, que estava sentindo os seus sonhos serem realizados,
conhecer a Cidade Maravilhosa. Andando tranquilamente pelo Cais do Porto, já
próximo ao Armazém 1, embarcaram no Lloyd Brasileiro com destino ao Rio de
Janeiro, deixando os comerciantes na saudade...
- Vocês ouviram o navio
apitar?
- É bem as giletes que
estão chegando.
Após uma semana deu no
jornal da Cidade:
“Ladrão fuzilado no
‘Corredor da Morte’, em Casa Amarela, e quatro foram presos no mesmo
local.Segundo informações da polícia o crime e as prisões estariam relacionados
ao grande golpe por terem praticado o “conto da gilete”. Os detidos foram
conduzidos para a delegacia de polícia para posteriormente serem encaminhados
para a Casa de Detenção do Recife. O chefe da quadrilha se encontra foragido.
Quem souber do seu paradeiro só é informar na delegacia de Casa Amarela. Um dos
participantes do golpe foi encontrado morto hoje pela manhã no bairro da
Encruzilhada. A polícia continua investigando o caso.”
*Escritor,
poeta e teatrólogo.
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