segunda-feira, 7 de julho de 2014

Um pulo na Grécia: Vira-latas de Atenas


* Por Johnny Virgil


A Plaka é o bairro medieval de Atenas, costeando a Acrópole. Ali ficam as lojas de quinquilharias para turistas e os mais charmosos restaurantes. Esparramados sobre a calçada ou passeando entre a multidão, vira-latas de várias cores, a maioria de grande porte. Pacatos, não brigam por território, nem se intrometem na vida da cidade. Às vezes, você pensa que não têm dono, que são de rua mesmo; todavia, aqui um leva uma coleira, lá alguém dá água para um deles... E você já começa a pensar que os cachorros são criados soltos, fora dos apartamentos...

Isso seria uma evolução imensa, impensável aqui em nossa terra, onde se atropela cachorro por diversão.

Mas tinha uma padaria no meio do caminho. Minha esposa é nutricionista e amou as padarias da Grécia: uma profusão de roscas, biscoitos, sanduíches, tudo integral, coberto de sementes, incrustado de frutas secas, com baixíssimo teor de sal... um paraíso gastronômico para quem busca uma alimentação ideal. E, lá na tal rua Adrianou, havia uma dessas padarias, onde compramos algumas dessas delícias para comer e dois cafés. Como havia uma mesa sobre a calçada, ali ficamos, para também admirar o movimento.

Entra um casal muito jovem com um vira-lata na padaria. O cachorrão olha para mim e fica salivando. Como gosto de animais, quando pedem comida atendo de pronto. Em inglês (porque o meu grego se resume a poucas palavras), dirijo-me ao rapaz e pergunto se posso dar um pedaço do que estou comendo ao cachorro.

O cachorro come, e continuo a conversa com o rapaz. Ele pergunta de onde sou... digo que sou do Brasil... e ele me pergunta o que está acontecendo com o Brasil, aquela onda de protestos... e eu digo que os protestos acabaram, foram momentâneos, agora é a Copa do Mundo... e, com isso, chegamos às Olimpíadas de Atenas em 2004.

Então, ele me falou uma barbaridade: que Atenas tinha muitos vira-latas nas ruas, milhares que sumiram do dia para a noite sem explicação tempos antes do evento e que nunca mais voltaram às origens, provavelmente exterminados. Imaginei esses seres tranquilos e sonolentos sendo raptados de madrugada e desaparecendo dentro de caminhões, todos juntos, rumo a alguma Auschwitz nos arredores da cidade, só por causa dos Jogos...

Fiquei muito triste. Fiquei mais triste, um mês depois, quando descobri que era verdade e que muitos culpam as autoridades públicas, apesar de o Governo ter adotado medidas preventivas. Culpei os turistas como eu, porque foi pelo bem do turismo que os cães foram mortos.

Assim descobri que aqueles cachorros que encontrei nas ruas não viviam em apartamentos. Dormiam ao relento, mas as pessoas cuidavam deles como se fossem seus e queriam que assim transparecesse para os estranhos, uma camuflagem para a bondade. E aquele jovem tatuado que nunca mais verei nesta vida nos mostrou os dois lados, o trágico e o terno, da história canina de Atenas.


* Escritor

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