Previsões para amanhã
* Por
Marcelo Sguassábia
Os garis de Copacabana
não divisarão nenhum navio no horizonte, nem horizonte que recicle o lixo de
suas vidas. A enfermeira de plantão lerá “As Intermitências da Morte” e acabará
morrendo de tédio ao virar a página 153. Na sala ao lado, a caneta do médico
falhará quando estiver prescrevendo Viagra ao paciente.
O velho Hermógenes do
302 irá cortar o cabelo, a barba, o bigode, a carne, o iogurte, os remédios e o
talco para chulé porque a aposentadoria não vai dar pra tudo isso. Os milhares
de japonesinhos que nascerem prematuros terão os olhos mais puxados para as
mães que para os pais, e todos eles dominarão os recursos do novo Playstation
antes de completarem dois anos. O carteiro receberá uma carta apaixonada, mas a
remetente não será correspondida. O vestibulando fará teste vocacional e
descobrirá que não presta pra nada.
O juiz da nonagésima
vara sairá mais cedo pra pescar. A reforma agrária ganhará terreno e deixará os
latifúndios em estado de sítio. Um relojoeiro da Região Metropolitana de São
Paulo irá bater com as dez, um verdureiro de Mairiporã irá pro vinagre, alguma
Inês será morta e uma doceira será cremada.
O leiteiro flagará a
esposa dando de mamar para o encanador. A vendedora de panelas se casará com um
cabo e ganharão de presente um conjunto inox de meia-tigela. Sem ter por que e
com quem lutar, o almirante de esquadra dispensará as tropas e passará a
Playboy em revista. O jornalista preservará suas fontes, mas investigará a
fundo a greve dos chafarizes. Um padre de vocação vacilante largará a batina
por culpa de uma fiel demasiadamente carismática.
O serial killer deixará
digitais no Cereal Kellogg’s. O campeão de xadrez receberá como prêmio um xeque
sem fundos. Os donos de livrarias venderão poucos exemplares de auto-ajuda, mas
terão um bom retorno sobre “O Capital”. A vaca Mocha irá ruminar a dor de ver
seu bezerro acompanhado de alface, queijo, molho especial, cebola e picles no
pão com gergelim. Enquanto isso, as fábricas de mortadela abocanharão novas
fatias de mercado.
O clarinetista errará a
nota ao acertar as contas com a prostituta. E a prostituta, por sua vez,
continuará ganhando a vida amando o próximo. Tire o cavalo da chuva: o Coelho,
peixinho do chefe, será promovido a leão de chácara antes do cantar do galo. O
secretário da receita passará a chefe de cozinha, por ordem expressa do
cerimonial da presidência. O estado do aparelho de som passará de agudo para
grave, se continuar a tocar os greatest hits de Chrystian e Ralf.
A bala perdida será
encontrada no bolso do blazer do guarda Belo. Encostado à parede, o costureiro
entregará os pontos. A praga daquele pestinha infestará todas as outras
crianças do bairro. As mulheres mexicanas, para tornarem calientes seus
casamentos, encherão de pimenta os tacos do quarto.
Agrônomos desenvolverão
versões transgênicas da batata da perna, da planta do pé, da palma da mão e da
flor da pele. Os projetos sairão finalmente do papel: uma borracha irá
apagá-los impiedosamente. O referido papel será jogado às traças. Desprezado
pelas traças, será lançado ao lixo, que será recolhido pelos garis de
Copacabana.
*
Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Uma sequência de grandes frases de efeito. Começou e terminou no mesmo lugar, entre os garis. Gostei demais, mas demais mesmo, Marcelo. Parabéns!
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