O livro de Talis
* Por
Woden Madruga
Mês passado andei
escrevendo aqui sobre um livro inédito do poeta Talis Andrade, Os Herdeiros da
Rosa, o mesmo título que usei na crônica. Recordando, começava a coluna assim:
“Na desarrumada caixa de papelão onde guardo uns jornais antigos por absoluta
mania, encontro o pacote que há anos perdera e há muito tempo procurava. Foi um
acaso feliz. Nele estava a cópia encadernada dos originais de um livro inédito
do poeta Talis Andrade que ele me mandara nos meados dos anos 90 do século
passado”. A partir daí, entre outras coisas, contei do desejo que Talis tinha
de ver o livro editado em Natal pela Companhia Editora do Rio Grande do Norte
(Imprensa Oficial), da qual ele fez parte quando dirigia o jornal “A
República”, depois de ter sido editor do seu suplemento literário que marcou
época nesta cidade no findar dos anos 50.
Pois bem, o livro de
Talis já não é mais inédito. Esta semana me chega pelos Correios “Os Herdeiros
da Rosa”, editado ano passado em Olinda pela Editora Livro Rápido, do editor
Tarcísio Pereira, que deve ser o mesmo Tarcísio da famosa Livraria Livro 7, do
Recife, boa praça, gente da melhor qualidade. Talis me faz uma dedicatória
generosa numa letra que nem Champollion conseguiria decifrar. Dei as mesmas
topadas lendo a carta sua encolhida entre as páginas do livro. Depois de duas
madrugadas consegui entender que “esta edição dos Herdeiros da Rosa não é
definitiva” e que ela não teve a última revisão do autor. Fui conferir com os
“meus” originais de 1995 e, realmente, o livro passou por muitas modificações.
Nesta, ele juntou dois
textos que não estavam no trabalho original. Um, assinado por Veríssimo de
Melo, o outro, de Francisco Fausto Paula de Medeiros. Há novos poemas. Outros,
foram eliminados. Talis trabalhou bastante no processo de recriação, comum nos
bons poetas. A permanente reinvenção. Aí também um traço característico da
própria maneira de ser do homem Talis Andrade, visível nas várias atividades
que exerceu e exerce, ele mesmo um irrequieto de nascença, cultivando seus
fingimentos.
Para esta edição de Os
Herdeiros da Rosa, o poeta colocou como orelhas, veja só, um texto escrito por
mim e que ele pescou do Jornal de WM de 11 de julho de 2004. Como? Pois é,
coisa de Talis. E olhe que a última vez que conversamos por telefone tem uns
seis, oito anos. No meio disso houve um imeio dele, exatamente o que provocou a
coluna. Confesso que fiquei todo ancho com o seu gesto, doido para dizer para o
pessoal: “Olhe aí, gente, o novo livro de Talis Andrade tem como orelhas um
texto meu”.
A coluna tinha como
título “Talis e Os Herdeiros da Rosa”. Era assim:
- Uma semana de muita
correspondência, estimulada certamente pelo “milagre” da internet que vai
entupindo, à medida que a hora passa, a nossa “caixinha das almas”. Ao abri-la,
faço a debulhação, peneiro aqui, peneiro ali, olho, frecho bem, gosto, escolho.
Cubagem feita, a emoção às vezes dispara no bater do coração. Dá alegria, mas
em algumas mensagens aquela nota carregada de uma certa melancolia. Esta semana
a máquina registradora creditou muito na coluna da emoção.
Um dos causadores de
tudo isso foi um imeio do meu querido Talis Andrade, do poeta Talis, uns
vintanos ou mais que não o vejo, companheiro-irmão dos anos cinqüenta, anos
sessenta. Nesse espaço todo de tempo, uma madrugada qualquer o telefone chama.
É ele. Três, quatro, cinco anos depois a saudade aperta: o telefone volta a
chamar na madrugada. A mesma ternura, o mesmo bem querer da mocidade. A mesma
bondade do poeta, como está na sua mensagem do dia 5:
“Woden: você escreve
cada vez mais gostoso. E quando quero matar as saudades de você, o jeito é a
leitura do seu Jornal. Aí recordo Berilo, Márcio e você, eternizados em uma
foto que tenho, na farda de recrutas do Exército. E vem a lembrança doutros
jovens: Fausto, Diógenes, Dorian, Sanderson, e os mais velhos que viraram
meninos: Navarro, Walflan, Zila, Veríssimo.”
“Essa gente toda está
em um livro meu de poesia que espero publicar breve: Os Herdeiros da Rosa. Para
o final deste mês estou lançando aqui dois livros: O Sonhador Adormecido e
Vinho Encantado. Bem, que você seja o eterno amante de sua terra e o melhor dos
amigos, sempre defendendo o povo e as terras potiguares. Este abraço distante e
perto de Talis.”
Final dos anos
cinqüenta, Governo Dinarte Mariz, Talis Andrade dirigia um suplemento literário
no jornal A República. Poeta do “Esquife Encarnado”, ele era um dos agitadores
culturais de uma Natal gostosamente provinciana, amigo de todos, apesar da
agitação política da aldeia que dividiu xarias e canguleiros em dinartistas e
aluisistas. Foi uma luta, gente! E no meio e tudo isso, ainda tinha Jânio Quadros.
Éramos janistas e pichamos as ruas de Natal com a vassoura do doido. Felinto
Rodrigues estava no bando, discretamente, é verdade, e Efrem Lima chefiava um
escritório da campanha montado num segundo andar da Princesa Isabel esquina
quase com o Grande Ponto.
Terminada a campanha,
Talis voltou para a sua Limoeiro, em Pernambuco, onde moravam seus pais. Depois
radicou-se em Recife, continuou agitando as massas, foi secretário do Governo
Antonio Farias, enveredou pela publicidade, amou várias mulheres e continuou
sonhando na poesia. Quando dá na telha, vem bater no mar da Praia de Cotovelo,
agasalhado na casa do primo Cacau, filho do tio Nei Marinho, de saudosíssima
memória.
Esses jovens que Talis
registra nas suas saudades, Fausto, por exemplo, é o ministro Francisco Fausto
de Medeiros, na véspera de ser bisavô; Berilo é o doce Berilo Wanderley; Márcio
é o também doce Márcio Marinho, ambos poetas, boêmios, sendo que Márcio levava
ligeira vantagem porque tocava violão e tinha um vozeirão danado para serenatas.
Os dois hoje se divertem com os anjos cantando umas coisinhas de Noel Rosa.
Os outros três jovens
estão aí numa boa: Sanderson Negreiros cadastrando os relâmpagos da boca da
noite, que ele antevê além das Quintas profundas; Dorian Gray Caldas, se
multiplicando entre suas marinhas incomparáveis, suas cerâmicas, seus tapetes,
sua poesia e sua fidalguia, grande artista da minha terra; Diógenes da Cunha
Lima faz o milagre de multiplicar as horas. Seu dia tem 48 horas. Advocacia
ocupado todo um belo casarão da Hermes da Fonseca, a presidência da Academia de
Letras, que dá uma trabalheira doida principalmente por conta dos futuros imortais,
a agenda de suas viagens para Firenze, os negócios consulares com o Chile, os
imóveis daqui e de Mossoró, o trem de Nova Cruz e, achando pouco, inventou
agora de comemorar o centenário de nascimento de Pablo Neruda com quem mantém
diálogo há alguns anos.
Tudo isso veio agora à
tona por conta de Talis Andrade, o “Pintadinho”.
(Tribuna do Norte)
* Jornalista e colunista do jornal Tribuna do Norte
de Natal/RN
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