quinta-feira, 10 de julho de 2014

O arfante peito meu

* Por Clóvis Campêlo

Nascido depois, amigos, não fui testemunha da decisão entre Brasil e Uruguai, em 1950. Toda a informação que tenho hoje sobre aquela tragédia, obtive através da imprensa falada, escrita e fotografada. Tudo em preto e branco, como permitia a tecnologia da época. A bola de Ghiggia entrando, a cara desolada de Barbosa, o choro desconsolado das arquibancadas. Tudo variando do branco da camisa que vestia a seleção brasileira no dia fatal ao preto das sombras que assolaram o Maracanã. Mesmo assim, até ontem, esse fantasma me assombrava.

É claro que a partir de 1958, quando em tons amarelos ganhamos nossa primeira copa do mundo, a coisa se transformou e a eterna dor da derrota no Maracanã transformou-se em ímpetos de alegria e orgulho. A seleção brasileira passou a ser a pátria de chuteiras, redimindo-nos dentro de campo e elevando bem alto a nossa auto-estima. Aquele era um país que ia para a frente dentro e fora de campo, dizia o Gauss da época.

É bem verdade que entre os jogadores brasileiros que participaram da Copa em 1950, alguns sobreviveram à catástrofe, como Nílton Santos, que se tornaria bicampeão mundial, em 1958 e 1962, e seria considerado o maior lateral esquerdo de todos os tempos no futebol mundial. O próprio Barbosa, embora não tenha mais voltado à seleção brasileira, também teve uma longa carreira, após o Maracanaço, chegando, inclusive, a defender o glorioso Santa Cruz, no final dos anos 50, quando foi supercampeão pernambucano pela equipe coral. A maioria, porém, ficou definitivamente marcada pelo fracasso daquela decisão. No final, tudo aquilo conseguido durante o torneio, toda a bela campanha, foi reduzido à nada com a derrota.

Ontem, amigos, ao vivo e à cores, a situação repetiu-se para nós, com o agravante de uma goleada inesperada. Por mais que estivéssemos mal na competição, com uma equipe desentrosada e sem um esquema tático definido e eficiente, ninguém esperaria uma derrota por 7x1 para a Alemanha. Em dez minutos, ainda na primeira etapa, a máquina germânica nos impôs cinco tentos, sem que a nossa seleção conseguisse esboçar qualquer reação possível. Descuido, desatenção e desânimo, assim poderíamos definir a questão. Assim, na derrota achapante, diluiu-se o sonho do hexa. Assim, na capital mineira, mostrou-se para nós um horizonte nada belo. A síndrome do fracasso em terras brasileiras voltou a nos assolar. Fomos atropelados por uma seleção que prima pela atenção e repetição sistemática de jogadas bem ensaiadas. A criatividade brasileira, tão mal executada nesta Copa, caiu definitivamente por terra diante do mecanicismo alemão.

Resta-nos agora por em prática o senso de responsabilidade que ainda nos resta e nos prepararmos para enfrentar o perdedor do jogo de hoje, entre Holanda e Argentina, no próximo sábado, em São Paulo.

A vitória talvez sirva para aquietar o arfante peito meu.

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:


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