Ele delegou
* Por
Marcelo Sguassábia
Que não se conteste a
infalibilidade do Arquiteto Supremo: na sua concepção original, a obra era
realmente perfeita, e vinda Dele não poderia ser diferente. Mas, pelo que a
ciência moderna vem apurando, Ele foi obrigado a delegar. Até porque Ele tinha
– e sempre teve – mais o que fazer. E perder sete dias com a criação dessa
poeirinha cósmica que é o nosso planeta seria muito desperdício, mesmo o Autor
sendo eterno.
É claro que, passando a
bola a terceiros e tendo apenas uma semana de prazo para entrega das chaves,
não ia dar pra ficar perfeito. Mundo perfeitinho, sem retoques, precisa de pelo
menos uns 20 dias pra ficar pronto. Daí pra mais. Mal comparando com o falível
plano terreno, é como muito arquiteto que tem por aí: inventa as coisas, larga
na mão de gente mais ou menos e depois não aparece para acompanhar a obra. Aí,
dá nisso: seres humanos com duas orelhas em vez de três, um nariz só no lugar
dos quatro regulamentares, pescoços com torcicolo, coração que falha, artéria
que entope fácil, chulé, hérnia de disco…
Do ponto de vista
geológico, depois de pronto, parecia até que estava tudo em ordem no mundo. Mas
não deu 4 bilhões de anos e já começaram a pipocar os problemas. Por exemplo, a
porção de terra que existe no planeta. No projeto, era pra ser um bloco só –
inteiriço, liso, bonitão. Na pressa, o barro desandou e depois de seco acabou
rachando e ficou do jeito que é hoje, esses imensos pedaços de chão com água
passando no meio, que a humanidade acabou organizando na forma de continentes e
oceanos. Em seguida vieram as rachaduras, aparecendo pra tudo quanto era canto.
O pessoal que mora no mundo chama de terremoto. Se acrescentassem um pouquinho
mais de argila e rochas firmes na mistura, talvez evitassem esse problema.
Agora é tarde pra reclamar, porque garantia de construção é de apenas cinco anos,
aqui e em qualquer outro ponto do Universo.
Matéria-prima de
segunda parece ter sido a causa das estrelas cadentes, que na verdade não foram
concebidas para cair, bem como dos barulhentos gansos – que se dependesse do
Criador seriam tão mudos quanto os cupins.
Nuvem não era para ter,
o céu foi criado para ficar sempre aberto e azulzinho. Porém, para que não
precisasse chover nunca, o sol tinha que ser colocado num ponto muito mais
distante, a fim de que o excesso de calor não interferisse no equilíbrio biológico.
Sempre esbaforidos e correndo contra o relógio, os empreiteiros instalaram o
astro-rei onde deu, sem atinar com as consequências. Resultado: derretimentos
polares, desertificação, tsunamis, efeito estufa e um sem número de outras
anomalias. A lua até que ficou no lugar certo, embora não tenha lá muita
serventia. Consta que o projeto inicial previa três outras luas, formando uma
espécie de colar satelital ao redor do globo. Hoje se sabe que a ausência do
adorno se deu por desvio de material, que acabou indo pra outra obra de lua em
andamento, no planeta Júpiter. Que aliás tem 17 luas oficialmente reconhecidas,
todas aparentemente inúteis.
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Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo criou o autor do texto para consertar alguns detalhes. Três luas seria magnífico, ainda assim o risco de colisões seria bem maior. Que da próxima vez se gaste mais tempo no planejamento. Os erros serão menores e menos importantes. Terremoto, não!!!
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