A poetisa que veio do frio
* Por Clóvis Campêlo
É duríssima a tarefa de meter a colher nos textos alheios. Ainda mais
quando não se é convidado. Mas, alimentado pela curiosidade que move montanhas,
arrisco-me a trilhar o caminho quente que me aponta o vento frio vindo do sul –
talvez o minuano.
A curiosidade existia até mesmo antes do carteiro
chegar e o meu nome gritar com o livro na mão. E embora o seu título – Requiém
– sugerisse um canto triste de celebração à vida que já se fora, sigo o caminho
vivo que se oferece, pois é caminhando que se faz a caminhada.
Descubro surpreso que, na verdade, o que a poetisa
canta é a vida fluindo. E mesmo exaurindo-se nesse fluir, é chama intensa a
queimar o seu combustível. O livro nada mais é do do que a constatação de que a
vida plena é mesmo aquela que precisa ser consumida para manter o caminho aceso
e transitável. Não há outra possibilidade. Mesmo podendo exercer a contestação
cósmica, necessita o poeta da vida para construir/consumir as suas visões e
proposituras.
Nos seus versos, entende a poetisa que a transitoriedade
da vida sempre esbarra na mutação final da morte libertadora, mesmo que seja
para cair em outra situação que ainda seja incógnita, mas novidade.
Assim é a pedra de alma inquieta que rola, rola e
se desmancha, ou o mundo, que num ímpeto libertário, solta-se da sua mão,
escorrega no escuro, e num deserto furo (buraco negro?), lá se vai, lá se vai.
Em outro poema curtíssimo, hai-kai transfigurado,
ordena à vida que fuja e que se esconda, pois que a morte ruge e urge.
No poema Visões, a poetisa exercita ao máximo o seu
tom contestatório, expondo as contradições do discurso vazio do homem moderno,
cujas ações e atitudes jogam por terra a redundância das máximas inúteis e
contrariadas.
Em outro poema, Requiém, o qual serve para
intitular o livro, fala das dores das esperas inúteis, muito embora deixe
também transparecer que sempre haverá um recomeço e uma nova esperança a ser
exercitada. No bojo da transitoriedade do presente, o futuro reabilitará o
passado sempre e as dores outonais diferenciam-se de todas as outras dores da
vida, pois que o outono nada mais é do que uma síntese amadurecida dos tempos
vividos.
Na fotografia da contracapa do livro, aliás, a
poetisa parece procurar no infinito os vestígios do que definitivamente já se
foi, passado a se metamorfosear em futuro. Nem mesmo parece querer observar as
notícias do mundo que ainda existe e que estão estampadas nas primeiras páginas
dos jornais iluminados pelo sol da manhã na banca de revistas por detrás de si.
Eliane Triska, a poetisa que veio do frio, nasceu
em Porto Alegre, em 1953, mas o mar da vida a levou para Canoas, cidade situada
a pouco mais de 13 quilômetros da capital gaúcha, numa região anteriormente
habitada pelos índios Tapes. É de lá, da sua aldeia, que emite os poemas
sinceros que compõem o livro recém-lançado.
* Poeta,
jornalista e radialista, blogs:
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