Rosa
* Por
Rodrigo Ramazzini
Há fatos na
vida que acontecem sem que haja uma explicação plausível e racional, sendo a
sua ocorrência creditada à sorte. Ou ao dinheiro, como instigavam alguns.
Assim, a união de Tibério e Rosalvina era vista pelo povo, na pequena cidade em
que moravam. Tibério era um conhecido proprietário de fruteiras, tendo mais de
cinco espalhadas pela região. Tinha o apelido de Caju, oriundo da atividade e
do estranho formato do rosto, com as bochechas gordas e a cabeça fina, o que
lhe rendia o nada nobre comentário pela cidade de “materialização da feiura”. Já
Rosalvina, que naturalmente passou a ser chamada de Rosa, era o oposto de
Tibério. Era uma mulher linda, com fortes atributos corporais e que atiçava o sexo
masculino por onde passava, com os seus arredondados glúteos e seios e um jeito
sensual de se vestir. Ainda, Rosa era conhecida por sua personalidade forte e
pela independência, o que a tornava objeto de desejo e ao mesmo tempo repelia
os homens.
Esta suposta
contradição gerada entre o relacionamento de um homem feio com uma mulher
bonita já fora pauta de eloquentes e intermináveis discussões pela cidade.
Tibério sabia desses comentários, mas não se importava, pois o seu amor por
Rosa era maior que a língua do povo. Todos os dias, antes de dormir, ele
cortejava a beleza da própria esposa deitada de baby-doll na cama e agradecia
em suas orações pelo o que acreditava ser um presente dado a ele por Deus. Tinha
uma vida que considerava perfeita. Até que então apareceu um galanteador barato
e começou a mudar esta história.
O tal galanteador
espalhou na pequena cidade o boato que conhecera a geografia do corpo de Rosa
de perto e que ela nua era um espetáculo de mulher, com a pele lisinha e de
contornos suavemente desenhados. Além do mais, tinha tendências ninfomaníacas. Tal
suposta traição de Rosa ganhou grande dimensão e virou o assunto preferido nas
rodas de conversas, em que a vida alheia sempre ganha tons novelescos e é alvo
irrestrito de julgamentos. “É como dizem: mulher bonita e melancia ninguém come
sozinho. Eis a comprovação!” virou o jargão preferido do povo ao comentarem o
assunto. Esse episódio aumentou a cobiça dos homens por Rosa, que passou a
receber cantadas mais diretas e em maior frequência. “Onde entra um boi, entra
uma boiada”, justificavam para o assédio. O resultado é que apareceram outros
homens contando em detalhes supostas noites de prazer aos seus braços e pernas.
Tibério soube
dos boatos e da fama de corno que o restante da cidade lhe atribuíra por meio
de um amigo. Em um primeiro momento, ficou indignado. Correu para casa com o
objetivo de tirar satisfações de Rosa. Entretanto, enquanto percorria o trajeto
da fruteira até a sua residência, ponderou sobre o caso e resolveu não falar
nada para a esposa. Ela era uma ótima companheira e corria o risco de perdê-la
ao questioná-la e isso era a última coisa que ele queria na vida. Sua vida era
Rosa e o amor que sentia por ela o faria perdoá-la a cada nova suspeita de
traição e aguentar firme possível gozações e comentários alheios. “Prefiro ser
corno a viver sem Rosa”, refletiu. Em apenas uma única oportunidade é que ligou
para um dos supostos homens de Rosa para tirar satisfações, mas foi humilhado
pelas palavras ofensivas dele, que em um dos xingamentos o mandou cuidar da
mulher.
Já Rosa soube
da fama que ostentava de forma mais abrupta. Enquanto fazia compras em um
mercado, um pretende encostou-se a ela e sussurrou ao ouvido uma cantada. Não
sendo correspondido resolveu gritar aos quatros cantos do estabelecimento o rótulo
de “vagabunda” que fora condecorada pela população da pequena cidade. Voltou
para casa e chorou por duas horas seguidas.
A
personalidade forte de Rosa a fez “segurar” nos primeiros momentos os boatos,
críticas e qualquer insinuação sobre supostas traições. Não mudou os hábitos e
continuou a rotina de se vestir sensualmente, mas notou que por onde passava
todos cochichavam e apontavam para ela. Sabia que a sua reputação já estava
marcada e que era o assunto na boca do povo. As fofocas e histórias sobre os
seus casos extraconjugais aumentavam a cada dia. As pessoas se afastaram dela. Fora
julgada pelas bases morais da sociedade e condenada. O intrigante e que deixava
todos em maior dúvida sobre a veracidade ou não dos fatos narrados é que ela
não confirmava nem rebatia tais acusações. Sofria em silêncio. Aguentou por um
tempo a situação, mas aos poucos começou a dar importância à opinião alheia, o que
acabou lhe pesando nos ombros. A mulher de personalidade forte sucumbiu e caiu
fragilizada. Entrou em depressão. Tibério sabia o motivo da doença da esposa,
apesar de nunca tocar no assunto, e tentou ajudá-la de todas as formas,
dando-lhe o maior amor possível, pois acreditava que o tempo dissiparia a onda
de boatos e o povo elegeria outra pessoa para cuidarem a vida. Chegou a sugerir
a Rosa para mudarem de cidade, mas ela se negou e entrou em um longo período de
reclusão dentro de casa, até que naturalmente a vida foi perdendo totalmente o
sentido. Tibério a encontrou no banheiro de casa com os pulsos cortados na
tarde de um sábado. Era o fim. Não deixou nenhum bilhete. Nada. Era a
consciência pesada ou o peso de carregar um fardo que não era seu que a fez
tirar a própria vida? Ficou a dúvida.
No enterro de
Rosa, toda a pequena cidade se mobilizou e foi se despedir da esposa de
Tibério. Lá, o que mais se ouviu foram elogios rasgados de todos sobre a pessoa
de Rosa, sua personalidade forte, simpatia, independência e charme. Uma grande
mulher! Com certeza, uma mulher a frente do seu tempo!
Sem Rosa, Tibério
entrou em um sentimento profundo de tristeza e resistiu apenas mais um ano,
quando acabou morrendo de complicações cardiovasculares. Mas, para o povo, foi
a saudade que o levou...
* Jornalista e contista gaúcho
Drama que mede o tamanho da maledicência humana. Despeito e inveja matam. Está aí a prova.
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