No tempo dos Zeppelins
* Por Leonardo Dantas Silva
A propósito do
feito dos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, vale lembrar
que as primeiras experiências com sucesso no campo da aeronáutica no Recife
aconteceram em 1862 com Július Buislay, artista da companhia francesa de
Acrobatas. Noticia a imprensa da época que, subindo num balão, ele fazia
acrobacias no Pátio do Teatro Santo Antônio, na Rua das Florentinas (trecho
hoje ocupado pela Avenida Dantas Barreto, entre a Praça da República e a Rua
Siqueira Campos); assim descrevendo o Jornal do Recife de 26 de outubro daquele
ano:
“A nossa população
presenciou ontem um espetáculo inteiramente novo para ela. Foi a ascensão do
artista acrobático Júlio Burlay, que conforme havia feito comunicado, subiu as
regiões etéreas arrebatado pelo seu Montgolfier. Uma multidão imensa apinhada
no Campo das Princesas saudou o intrépido aeronauta com gritos de prolongados
vivas e aplausos. Eram cerca de 6 horas e um quarto quando o balão ergueu-se
suavemente, buscando o lado sul, impelido pelo vento norte; não estando
completamente cheio começou logo a baixar, indo depois o corajoso viajante cair
nas proximidades dos Coelhos. Durante o trajeto o excelente artista fez
diversas evoluções sobre o seu trapézio, oferecendo aos olhos da população
admirada a realização de um espetáculo para o qual, há cerca de um ano, teria
sido convidado ...”
A temporada de
balonismo do francês Július Buislay vem a ser novamente noticiada na edição do
Jornal do Recife de 3 de novembro – “o artista fez anteontem a sua segunda
ascensão aerostática, indo aterrissar sobre uma casa térrea na Rua Velha, de
onde o trouxe para o Teatro da Rua das Florentinas uma multidão imensa de
pessoas”.
Na semana seguinte,
na edição de 11 de novembro, o mesmo jornal informa que na sua terceira
tentativa, “o balão pouco cheio não subiu alto, indo cair no quintal de uma
casa da Rua dos Martírios”. Outra proeza aconteceu em sete de outubro de 1906,
tendo por balonista José Pereira da Luz (Zé da Luz), que subindo num aeróstato,
na antiga Rua do Sebo, hoje Barão de São Borja, foi cair em Tejipió.
A primeira
travessia aérea do Atlântico Sul, porém, só veio a ser realizada pelos
aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que saídos de Lisboa a
bordo do hidroavião “Lusitânia” , em 3 de março de 1922, amerissaram na bacia
do Capibaribe em 5 de junho daquele ano. Para comemorar o feito, fez-se erguer
um grande monumento em mármore aos dois aviadores, esculpido por “Santos e
Simões – estatuários”, e foi ofertado pelos portugueses residentes em
Pernambuco. A sua inauguração aconteceu, em 1927, sendo instalado no Cais
Martins de Barros.
Os primeiros
brasileiros a cruzar o Atlântico Sul porém
foram João Ribeiro de Barros (comandante), Newton Braga, João Negrão e Vasco
Cinqüini, que, a bordo do hidroavião Jahú, fizeram o vôo histórico Gênova-São
Paulo, escalando no Recife em cinco de junho de 1927, amerissando na bacia do
porto, sendo recebidos com grandes festas. No mesmo ano, o comércio da
Encruzilhada, a fim de assinalar o feito, mandou erguer uma coluna de oito
metros de altura, encimada por uma águia pousada sobre o globo terrestre, com a
inscrição: “Raid Gênova-Santos. À heróica tripulação do Jahú, homenagem do povo
da Encruzilhada. Recife, 25 de setembro de 1927”.
A correspondência
aérea entre o Recife, o Rio de Janeiro e Buenos Aires, veio a ter início a 7 de
março de 1927, através da Companhia Latecoére, depois denominada de
Aeropostale, que veio a ser o embrião da Air France. Na bacia do Pina-Santa
Rita passaram também a amerissar os hidroaviões da Condor-Lufhansa e da
Panair-Panamerican.
O Graf-Zeppelin
Dentre as novidades
aeronáuticas da década de 1930, famosa pelo aparecimento de novos hábitos e
costumes, antecedendo a segunda Grande Guerra, foi a chegada no Recife do Graf
Zepelin, uma invenção do Conde Zeppelin, Ferdinand von Zeppelin (1838-1917),
nobre, general e aeronauta alemão, projetista e construtor do dirigível. Com
tal viagem era inaugurada uma linha direta, bimestral, com a Europa, numa
quinta-feira, 22 de maio de 1930, fazendo a rota Friedrischafen-Sevilha-Rio de
Janeiro.
Pelo noticiário,
que se depreende do Diario de Pernambuco, do dia 23 de maio, e depoimentos dos
que assistiram e documentaram, a exemplo do compositor Raul Valença que chegou
a fazer um filme, foi uma verdadeira revolução na cidade, quando da chegada
daquele dirigível após 59 horas de viagem: Um vivo interesse se desenhava em
todos os semblantes em torno desse acontecimento destinado a marcar uma data
inesquecível na vida da cidade. [...] às 18 horas e 35 minutos o dirigível foi
avistado no Recife e logo entrou a tocar, para divulgar a boa nova, o carrilhão
do Diario de Pernambuco, cujos terraços estavam ocupados por famílias do nosso
escol social. [...]
O Diario de
Pernambuco, em sua edição do dia seguinte, às 16 horas, era já compacta a
multidão de curiosos que se empilhavam nas torres das igrejas e até nos tetos
das casas. – inclusive nos terraços dos edifícios mais altos: Moinho Recife,
Palácio da Justiça, Diario de Pernambuco, Hotel Central, etc. No mais alto da
cúpula do Palácio da Justiça, em verdadeiro esporte de equilíbrio, agrupavam-se
algumas dezenas de pessoas. O terraço desta folha, já às 17 horas, estava
repleto de numerosa e compacta assistência. [...] – Chegarei pouco depois do
por do sol, foi a mensagem do comandante Eckener. [...] É ele! É ele! É uma
estrela!.... , gritava o povo. Mas a dúvida em breve dissipou-se. Alguns
instantes mais e a sombra branca do imenso pássaro aéreo começou a surgir e a
crescer. Já eram então visíveis os dois focos de proa e popa marcando o vulto
imenso que desfilava dentre as nuvens. Precisamente às 18h30m passava o Graf
Zeppelin, mais baixo acerca de trezentos metros de altura, sobre a torre da
Catedral de Olinda.... E logo se começou a ouvir o surdo rugido das suas
hélices possantes ....
Mas pode
mencionar-se o emocionante espetáculo da nave imensa a deslizar dentro da
noite, sobre a cidade, rumando do norte ao poente, numa grande curva, direto ao
Campo do Jiquiá, como se conhecesse o caminho; como uma ave retardatária que se
torna ao pouso, mil vezes demandado.
O dirigível estava
sob o comando do Comandante Hugo Eckener, que, juntamente com o infante Dom
Affonso de Espanha, foi saudado pelo então secretário particular do governador
Estácio Coimbra, Gilberto de Mello Freyre, após a sua amarração no Campo do
Jiquiá.
O Graf Zeppelin
realizou 63 viagens unindo o Recife à Europa. Em 1936, veio a ser substituído
por outro dirigível maior e mais moderno, o Hindenburg, que possuía 804 pés
[245,06 metros] de comprimento [76 pés menos do que o transatlântico Titanic e
228 pés maior do que um Boeing 747], trazendo no seu leme a cruz suástica
símbolo do nazismo. O Hindenburg realizou sete viagens ao Brasil, antes do
acidente que o destruiu, em 1937, ao pousar em Lakehurst, no estado
norte-americano de New Jersey.
*
Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE
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