Looping
* Por
Marcelo Sguassábia
Cristais bisotê: a primeira coisa em que reparei, assim que consegui
abrir os olhos. Já tinha ouvido falar em Experiência de Quase Morte, aquilo me
parecia isso. Espirais, túneis, uma força puxando para a grande luz.
A mulher muito linda, refletida nos cristais. Mas desconhecida. Nada que
me lembrasse, nela, um ente querido já morto me recebendo. Eu poderia estar
sonhando no quarto exalando éter. Ou me ambientando ao outro lado. Importava
saber. Era justo, era eu no limbo.
- Foi muito tempo na passagem. Você não se deu conta de quanto, ela diz.
Normal. Costelas se descamando, hematomas esparsos, normal. E barba.
-Todos chegam assim, com essa cara de Moisés.
Tentei olhar para os cristais, querendo um reflexo de mim. O
carrinho de montanha russa. Descarrilou. Ouço a notícia na TV do quarto,
envolto em gesso e calafrios. Mas e a moça dos cristais? Quem? Descarrilei,
morri ou alucino em observação?
Água, um jato forte ensopa os meus andrajos. Já sei: estou na montanha
russa e passo pela água no final da volta, muitas montanhas russas são assim.
Nem morto, nem em observação. Ainda estou no brinquedo, a alucinação está
acontecendo pelo excesso de adrenalina.
Assusta o limbo de saber-se ou não no limbo. Assusta e cansa a
imprecisão. Random, bola de pinball. Alguém maior que você, dono de
você, tentando manter a bolinha pontuando. Game Over? Quando você se põe na
minha pele morta-viva, estilingado no caos, puxando um ar que não infla e sem
alento que baste, sobram apenas perguntas. Mais e difíceis perguntas. Tento
coçar as costas. O gesso não deixa.
*
Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Uma aflição tão bem descrita que deixa o leitor também com falta de ar. fazer o quê? Respirar aliviado.
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