A noite anterior
* Por Cecília França
Chegou em casa abatido, após mais
um dia de enxovalhações na imprensa; passava das dez da noite. Pensava em
demitir um de seus assessores que sabia ser o responsável por deixar chegar até
ele todo o material negativo divulgado nos jornais e revistas. Só não entendia
porque aquele rapaz, a quem havia ajudado com um dos cargos mais bem-remunerados
de seu gabinete, gostava de vê-lo sangrar politicamente.
Será que não entendia que isso
lhe custaria o pescoço? Ou então, era mais esperto e já estava arranjado...
Bom, pensaria nele amanhã. Agora, apenas o uísque.
Havia engordado sete quilos desde
o início da crise. Evitava se expor em locais públicos, por isso, abolira as
caminhadas matinais durante as quais costumava acenar para os fotógrafos.
Embora não estivesse certo de que a reclusão seria sua melhor opção, era o que
assessores e amigos lhe indicavam como correto.
Os encontros com advogados não
poderiam ocorrer à luz do dia – e muito menos em seu gabinete – de forma que
ficavam reunidos em sua casa, de madrugada, discutindo estratégias para
melhorar sua imagem perante a opinião pública. Porém, naquela noite sentia ser
isso impossível.
Desmarcara todas as reuniões
daquele dia ainda no início da tarde, após comer sua habitual – nos últimos
meses – salada com frango grelhado e sentir que o clima não estava propício
para mais negociatas. Esgotara todas as possibilidades de acordo com aliados e
oposição e sentia a pressão do chefe maior por seu afastamento.
A possibilidade de renúncia
chegara a passar por sua cabeça, mas foi imediatamente diluída por seus
aliados, que lhe mostraram o efeito negativo dessa atitude. Por ora, isso
estava descartado.
Sentou-se com a gravata
desarrochada sobre a camisa semi-aberta e o copo com uísque puro – como ele
gostava – na mão. A decisão estava tomada e não poderia ser adiada para depois
de amanhã. Pediria afastamento e diminuiria a intensidade dos holofotes sobre
si, praticamente garantindo sua sobrevivência, ileso, aos outros processos.
Não era totalmente cafajeste,
dizia a si mesmo. Sentia-se, não raro, mal por ter exposto sua família e
privacidade àquilo que considerava um linchamento moral desnecessário, visto
que ele apenas queria aproveitar as possibilidades que a vida de um político
famoso lhe concedia, dentre elas, a infidelidade – de qualquer espécie.
* Jornalista
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