Teoria do caranguejo*
** Por Julio
Cortázar
Tinham
construído a casa no limite da selva, orientada para o sul evitando assim que a
umidade dos ventos de março se somasse ao calor que a sombra das árvores
atenuava um pouco.
Quando Winnie chegava
Deixou o parágrafo no meio, empurrou a máquina de escrever e acendeu o
cachimbo. Winnie. O problema, como sempre, era Winnie. Quando tratava dela a
fluidez se coagulava numa espécie de
Suspirando, apagou numa
espécie de, porque detestava as facilidades do idioma, e pensou que não
poderia continuar trabalhando até depois do jantar; as crianças logo iam chegar
da escola e ele teria que preparar o banho, fazer a comida e ajudá-las nos seus
Por que no meio de uma enumeração tão simples havia como um buraco, uma
impossibilidade de continuar? Era incompreensível, pois tinha passagens muito
mais árduas que se construíam sem nenhum esforço, como se de algum modo já
estivessem prontas para incidir na linguagem. Obviamente, nesses casos o melhor
era
Largando o lápis, pensou que tudo se tornava abstrato demais; osobviamente os nesses
casos, a velha tendência a fugir de situações definidas. Tinha a impressão
de estar se afastando cada vez mais das fontes, de organizar quebra-cabeças de
palavras que por sua vez
Fechou abruptamente o caderno e saiu para a varanda.
Impossível deixar essa palavra, varanda.
*Triunfo, Madri, nº 418, 6 de junho de 1970
Texto extraído do livro "Papéis
inesperados", Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro — 2010, pág.
80. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman.
* Escritor nascido em Bruxelas, mas criado na Argentina. Autor de contos
considerados como os mais perfeitos no gênero. Suas obras mais reconhecidas
são: “Bestiário” (1951), “Las armas secretas” (1959), “Rayuela”, (1963), “Todos
los fuegos el fuego” (1966), “Ultimo round” (1969), “Octaedro” (1974), “Pameos
y Meopas” (1971), “Queremos tanto a Glenda" (1980), “Salvo el crepúsculo”
— póstumo (1984) e "Papéis inesperados" — póstumo (2010).
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