Vida nova às artes plásticas
* Por Mara Narciso
Na iminência do Automóvel Clube de
Montes Claros completar meio século de existência, o início das comemorações
foi marcado pela retomada de um espaço ímpar na cidade, a sua primeira galeria
de arte, localizada no saguão do clube. Quanto significado tem para nós,
pessoas com mais de cinquenta anos, aquele espaço. Quando Felicidade Tupinambá,
diretora cultural do clube e uma das mentoras do feito, ao lado da arquiteta
Viviane Marques, me perguntou o que era para mim aquela galeria, me emocionei.
Disse que para muitos de nós, aqueles quadros eram como companheiros nos
momentos em que amores eram feitos e desfeitos, pois nas festas, quando algo
começava ou acabava, tínhamos ali, sentados nos sofás, por companhia mais
próxima, a visão das obras de arte e as emoções que delas emanavam. Testemunhas
oculares de risos e soluços.
Muitas exposições tiveram lugar no
Automóvel Clube. A lateral direita da sua entrada principal era o espaço para a
arte. Tão importantes quanto o endereço, a Praça Dr. João Alves em frente e a
Rua Dona Tiburtina ao lado, eram os quadros naquelas paredes. Quando havia
exposição, eles sumiam, para as paredes vestirem roupa nova, mudando de
personalidade temporariamente. Passado o evento, lá estavam eles de volta, com
autores como Godofredo Guedes, Hélio Brantes, Conceição Melo, Afonso Teixeira,
Guilhermina Guimarães, Márcia Prates, Wanderlino Arruda, Ray Colares,
Konstantin Christoff e outros. O pescador saindo do rio, obra de João Ornelas,
sem título, sendo de 1982, é o maior e o mais marcante deles. Sempre na mesma
parede, ao fundo.
O tempo estragou as telas, e os quadros
foram para um depósito. O período de glória estava distante, e era preciso
fazer alguma coisa. As obras por pouco não foram leiloadas. Felicidade Tupinambá,
curadora, e Viviane Marques, crítica de arte, optaram pela restauração dos
quadros, quando o leilão, para gerar recursos, quase aconteceu. A renda poderia
ser pequena, não em vista do valor das obras, mas devido ao poder aquisitivo do
público, segundo afirmou Felicidade Tupinambá. Então, em vez de renda, mais
gastos, agora com a recuperação. Para tal, entraram em cena os patrocinadores,
muito trabalho no resgate das obras restauradas por Afonso Teixeira, um livro
sobre o rico acervo escrito por Viviane Marques e eis aqui a reinauguração da
Galeria Automóvel Clube, em nove de dezembro de 2013.
Itamaury Teles, presidente do Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros, disse que ali se respirava história,
pois a casa de Dona Tiburtina e Dr. João Alves tinha sido naquele local. O
multi-intelectual Wanderlino Arruda lembrou o episódio de 6 de fevereiro de
1930, em que a corajosa senhora Dona Tiburtina recebeu a tiros Fernando Mello
Viana, o vice-presidente da república. O grupo que acompanhava o político, ao
passar na porta da sua casa, soltou uma bomba, levando o Dr. João Alves a
sangrar pelo nariz. Vendo aquilo, sua esposa deu ordem para seus jagunços
atirar. Morreram seis pessoas e poderia ter morrido mais. Os visitantes fugiram
para um mato próximo e de lá retomaram o trem, que de ré partiu para Belo
Horizonte. Dona Yvonne Silveira, de 99 anos e presidente da Academia
Montesclarense de Letras de Montes Claros, inspirada pela emoção, falou que seu
pai foi amigo do casal em pauta, explicando como era a casa que existia ali.
Nas paredes brancas, os 21 quadros
recuperados, dos 50 existentes, estavam escondidos por tecidos pretos. Foram
descerrados pelas autoridades, debaixo de flashes e filmagens. Carlos Muniz,
Secretário de Cultura, Esportes e Lazer, cirurgião plástico e artista plástico,
contou que a sua primeira exposição tinha sido naquele espaço, e, conduzido
pelo artista maior Konstantin Christoff, fora apresentado ao público em 1979,
aos 24 anos. Naquela época, os trabalhos eram mostrados sobre cavaletes, pois
era proibido furar as paredes.
Que a Galeria Automóvel Clube troque de
roupa muitas vezes para dar continuidade ao seu brilhante destino: dar lugar a
exposições glamourosas, lotadas de vida, perpetuando a vocação de Montes
Claros, Cidade da Arte e da Cultura. Pois agora, cheirando a tinta, com brilho
de coisa nova, mas com a experiência de uma vida, aquelas imagens e cores
recontam suas histórias, e continuarão contando outras. As telas, atreladas à
vida de boa parte dos que ali as olham, estão de volta. E para quê? Para
enfeitar o mundo, emocionar os antigos e os novos, ceder seu espaço, que nunca
deveria ter sido fechado, deixando acontecer arte. Com muita arte.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Longa vida ao Automóvel Clube e às artes de Montes Claros. Um abraço, Mara.
ResponderExcluirHá uma turma que trabalha muito para os outros apreciarem. Então eu divulgo. Muito obrigada, Marcelo.
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