Tá faltando poesia aqui!
* Por Fernando Mariz Mazagão
Chamava-se revolta.
Tinha os ombros largos e vergados de angústia. Ouvir é sempre espantoso. A vaga
morta do dia-a-dia, o espetáculo de sonho... O soco como consideração na
vertigem das horas. Nos espinhos da alma é que se fere a carne.
Ao som metálico do
escusar-se sobra só, o passarinho.
No entanto, para uns
não é bastante poder ver uma festa de pingüins à procura de sexo. A natureza é
pródiga em exemplos bizarros da preponderância do sexo e das conseqüências
desse elemento essencial sobre todos os bichos. O urso polar precisa cruzar
milhas e milhas no gelo, brigar com todos os outros machos pelo caminho, até
chegar na raríssima fêmea. Com quem ainda vai ter que se atracar durante seis
inconcebíveis meses, quando, então, com o osso do seu membro quebrado ao meio,
com o corpo moído, é deixado entregue a própria sorte, incapacitado e sem a
certeza de ter conseguido fecundar a menina.
Pensemos em nós. Puf...
Chamava-se desencanto.
Tinha os olhos cinzas e alma azul. Comia pouco para poder se lembrar do gosto.
Cultivava particular apreço pelo amargo. Era chocolate escuro. Cansado, resta a
amorosidade de ordem pública. Baixo-contínuo cochicham os espectros no meu
quarto. O álcool ressentido olha de soslaio. Conspira-se. Travada a voz,
cessado o ar, espera-se um pouco delirante a vinda. Acaba-se a frase sem
escolher o tom. Tudo é inerte e funciona a pontapés. Ma s de onde vem a força
para o primeiro pontapé? Voltamos.
Chamava-se desespero.
Deixou de esperar. Foi peludo e hoje deita fora camadas e camadas de camadas de
camadas. Podia voar quando queria. Namorava uma estrela, mas sempre teve
amantes, todas cadentes. Herdou seus dentes de um tio distante. Apressou o
curso de um rio no curso de uma hora. Depois cansou. Estava perto de alguma
coisa insabida. Pretende-se, sempre que possível, mijar na modernidade: para
alegrá-los. Eles gostam.
Olhou pra fora da
janela, apagou a luz do quarto. Quarta-feira está longe e houve um tempo em que
os sinos eram úteis.
Vibra a hora do último
suspiro. É preciso parar.
Chamava-se
*Fernando Mariz Masagão é músico, dramaturgo, poeta e colaborador de
publicações online sobre arte, com crônicas e críticas musicais. Guitarrista e
vocalista de bandas de rock'n'roll, tem formação clássica
vigorosa, em cursos de regência sinfônica, apreciação musical e
instrumentação.
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