quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Quem é o autor. E eu disse “Pronto”

* Por Fernando Yanmar Narciso

Por volta de 1990, a famosa e controversa comédia americana Married With Children, conhecida por aqui como Um Amor De Família, deixou as puritanas mães ianques de cabelo em pé. Em certo episódio (de gosto questionável) as duas famílias principais do show saíam de férias, indo para um chalé no bosque. Ocorre que uma das mulheres perde o juízo por causa da TPM e, a ciência deve explicar, o problema contagia todas as fêmeas da cabana, transformando-as em quase monstros. Como se isso não fosse problema o bastante para os ditos machos da família, eles são atocaiados na cabana por um urso faminto. Como costumo dizer, diversão leve e saudável para toda a família...

Acontece que certa dona de casa, preocupada com a influência que tal programa poderia ter no crescimento de seus filhos, resolveu processar a Fox, produtora do show, pedindo ou a retirada do capítulo ou da série inteira do ar. A batalha da mãezinha contra a emissora de TV- Perdida, afinal o programa continuou no ar por mais sete anos- foi uma das pioneiras na tentativa do povo de reassumir o controle de suas vidas e reavaliar os limites do que poderia ser mostrado nas telinhas.

Já experimentou mudar de canal ou desligar a televisão”? Por décadas essa foi a única resposta de autores e produtores à audiência pentelha. Se você não gosta do programa, então por que continua assistindo? Esse argumento já não funciona mais. Há alguns anos, surgiu nos Estados Unidos um incompreensível fenômeno chamado de Hatewatching. Certos programas tornam-se verdadeiros sucessos da noite pro dia, conquistando uma audiência fiel e exigente. Conforme os anos passam, os autores podem perder o fio da meada e tais programas deixam de chamar nossa atenção, tornando-se quase paródias do que foram.

No entanto, em vez de simplesmente os abandonarem, certos fãs decidem continuar assistindo e odiando os shows na esperança que os autores voltem a acertar na mão, numa relação que combina nostalgia e masoquismo. Assim que o episódio da semana termina, não tardam a entrar nos fóruns de discussão ou, preferivelmente, no Twitter para despejar todo o veneno que puderem contra sua “ex-série favorita”. Me arranho todo mas não largo minha gata, como diria minha mãe.

A TV brasileira também passa por um processo semelhante. Por essas bandas, infelizmente a “novela das oito” permanece sendo o único programa assistível e comentado do horário nobre. Graças à internet, o telespectador aprendeu quem deve ser o alvo das reclamações quando a história parece ter dado um mergulho de cara no chão: Os autores. Há poucos anos, Aguinaldo Silva foi abordado de maneira agressiva no calçadão de Copacabana por um gay revoltado com o inesquecível personagem Crô, porque ele mais parece um homossexual saído dos discos de piadas do Costinha. Silva precisou correr muito pra escapar da surra, mas depois do ocorrido os fãs descobriram a quem devem azucrinar quando não gostam de certos personagens ou aspectos das novelas. De tal forma que hoje o autor parece nem precisar se esforçar muito na profissão, pois as tramas são praticamente escritas pela audiência.

Desde 1997 quem decide qual personagem vive ou morre somos nós. Os tempos de Regina Duarte como mocinha irresistível e carismática há muito chegaram ao fim. Virou praticamente um esporte o ódio da audiência por mocinhas bondosas, ingênuas e sofredoras. Como o amor foi praticamente apagado de nossas vidas no mundo moderno, nem gosto de imaginar como os novelistas sofrem para escrever os papéis das ditas heroínas virginais. Até protagonistas revolucionárias como a Preta de Da Cor Do Pecado, a Donatella de A Favorita, a Nina/Rita deAvenida Plasil e a Morena de Salve Jorge enfrentaram focinhos torcidos da audiência e custaram a conquistar as donas de casa desocupadas.   

Pior que a caça aos autores, só a hipocrisia de alguns telespectadores. O maquiavelismo da audiência às vezes assusta mais que o dos vilões... Visito inúmeros portais especializados em novelas e acho graça das críticas inflamadas defendendo a moral, os bons costumes e criticando a sordidez do enredo da novela das nove. Dá vontade de me enforcar com tanta contradição e choradeira das pessoas, que costumam disparar frases feitas como “Esse autor é um louco, um tarado que devia ser internado!”; “Pra quê tanta violência? Tanto sofrimento?”; “Escrever uma novela assim devia ser crime!” ou “Por que não escrevem uma novela só com temas leves, positivos, enaltecendo o amor e a família, onde ninguém sofra?”. Detalhe que a maioria dessas recalcadas saberia até dizer quantos pêlos o Félix tem em cada nádega. Às vezes desafio essas donas de casa a assistir a uma novela onde absolutamente nada de ruim aconteça e tentar manter o sorriso no rosto enquanto assiste, deve ser divertido como assistir a barba crescer diante do espelho...

Porém, a Vênus Platinada planeja dar o troco. Ano que vem, alguns autores conquistaram um antigo sonho de ter direito a entregar os roteiros das novelas praticamente completos, do primeiro ao último capítulo, antes mesmo de começarem a gravar. Com isso, eles teriam a liberdade de fazer o que quiserem com a trama e os personagens, sem interferência dos caprichos do público. Se a audiência gostar ou não, problema nosso. Uma solução bem mais radical que ensinar a dona de casa desocupada a mudar de canal...

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. As novelas são a sua praia. Gosta e fala delas apaixonadamente, embora fale mais do que assiste.

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